CM Responde: Como identificar práticas abusivas contra mulheres nas compras e serviços?

Uma prática abusiva refere-se a uma ação do fornecedor que viola a boa-fé objetiva nas relações de consumo. Essa especificação, inclusive, consta no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em síntese, trata-se de atitudes que desequilibram a interação entre fornecedor e consumidor, que já é naturalmente desigual devido à vulnerabilidade do consumidor.

Entre os exemplos de práticas abusivas, destacam-se:

  • A venda casada;
  • A imposição de limites quantitativos sem justificativa adequada;
  • O aumento sem razão aparente no preço de produtos ou serviços;
  • Oferta de produtos ou serviços não solicitados;
  • A realização de vendas direcionadas a crianças ou idosos;
  • A prestação de serviços sem um orçamento prévio e sem autorização explícita do consumidor;
  • E qualquer forma de coação ao consumidor.

Nesse último exemplo, destaque para as mulheres e as práticas abusivas que muitas vezes são utilizadas contra elas. Entre elas, a manipulação emocional para a compra de produtos desnecessários. Ou ainda a criação de um sentimento de culpa se não atenderem às expectativas do vendedor. Essas formas de coação não apenas impactam a decisão de compra, mas também afetam a dignidade e a autoestima da consumidora.

Contra as práticas abusivas

Wadih Damous, secretário nacional do Conusmidor.

E, justamente com o objetivo de oferecer mais proteção às mulheres consumidoras é que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) publicou a Nota Técnica nº 2/2025. O instrumento define novas diretrizes para a proteção da mulher nas relações de consumo.

Em suma, a Nota reafirma a necessidade de atuar contra práticas abusivas e discriminatórias que impactam as consumidoras. Ademais, ela reforça o compromisso do Estado em defender esse público. O texto foi elaborado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e pela Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado.

De acordo com a Senacon, a iniciativa surgiu a partir da identificação do seguinte fato: hoje, as mulheres enfrentam desafios particulares, como preços elevados em produtos femininos, menor representatividade em testes de segurança e informações enganosas sobre itens essenciais, como absorventes higiênicos. “Primordialmente, são situações que exigem políticas públicas mais assertivas e uma fiscalização mais rigorosa dos fornecedores”, aponta o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous.

Mulheres no foco

Dessa forma, ele destaca o papel do Estado na promoção da igualdade de gênero. “Não podemos aceitar um mercado de consumo que discrimina e prejudica as mulheres. É inaceitável que produtos voltados para o público feminino sejam comercializados a preços mais altos sem justificativa adequada. Ou ainda que mulheres fiquem mais expostas a riscos devido à falta de pesquisas específicas”, declarou Damous.

O documento enfatiza que a vulnerabilidade das mulheres enquanto consumidoras deve ser considerada na elaboração de políticas públicas e nas regulamentações de mercado.

Em relação à atualização da NT nº 2/2025, conforme o Despacho nº 358/GAB-Senacon, de 6 de março de 2025, Fabíola Meira, sócia fundadora do Meira Breseghello Advogados, analisa que foram introduzidas três novas Diretrizes de Proteção e Defesa do Consumidor, a saber:

  • Políticas empresariais internas para reconhecimento das mulheres consumidoras: Os fornecedores devem considerar as mulheres como consumidoras em suas atividades, incluindo testes de produtos, quando pertinente, atendendo às especificidades do público feminino no mercado.
  • Políticas para combater a exclusão social, promover inclusão financeira, assegurar o mínimo existencial e prevenir o superendividamento das mulheres consumidoras: Desenvolvimento de iniciativas que criem condições especiais para mulheres em situações de vulnerabilidade social e econômica.
  • Protocolos de proteção à mulher em espaços de entretenimento: Colaboração com sistemas relacionados à proteção das mulheres e órgãos do SNDC, com o objetivo de ampliar a divulgação de programas de prevenção, proteção e suporte a vítimas de violência em locais de entretenimento.

Nota técnica da Senacon

Fabíola Meira de Almeida Breseghello, especialista em direitos do consumidor.

Fabíola Meira de Almeida Breseghello é doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Ela é sócia do Meira Breseghello Advogados. Na visão da especialista, a atualização da Nota Técnica pela Senacon evidencia o compromisso da Secretaria em reconhecer as desigualdades presentes no mercado de consumo, onde cada categoria possui suas vulnerabilidades e demandas.

Por analogia, o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que as mulheres são responsáveis pelo sustento de 49,1% dos lares brasileiros, o que ressalta sua relevância no mercado, especialmente no que tange à proteção nas Políticas contra exclusão social e promoção da inclusão financeira. A inclusão financeira das mulheres é, portanto, um tema central nas discussões sobre desigualdade.

Nesse ínterim, ela comenta então que a Nota Técnica evidencia a necessidade de cada empresa, conforme seu setor, buscar inovações e adaptações em suas políticas internas regulatórias e de compliance do consumidor, permitindo uma concessão de crédito responsável e promovendo a inclusão financeira, ao mesmo tempo que preservam suas relações comerciais com clientes endividados. “Ajustar a governança à NT (e cumpri-la) fortalece a reputação empresarial perante consumidores, órgãos reguladores e a sociedade. A educação financeira digital voltada para mulheres (e o consumo em geral) pode ser um instrumento adicional, inclusive para fidelização de clientes”.

Mercado mais equitativo

As diretrizes principais estabelecidas pela Nota Técnica nº 2/2025 incluem:

  • Políticas internas das empresas para o reconhecimento das mulheres consumidoras: as organizações devem considerar as particularidades do público feminino, realizando testes de produtos que assegurem sua segurança e eficácia;
  • Inclusão financeira e combate ao superendividamento: incentivo a iniciativas que ofereçam condições especiais para mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica;
  • E protocolos de proteção para mulheres em ambientes de entretenimento: desenvolvimento de ações conjuntas com órgãos de segurança e defesa da mulher para prevenir e enfrentar a violência contra mulheres consumidoras nesses locais.

Avanço em defesa das mulheres

Consoante o diretor do DPDC, Vitor Hugo do Amaral, a publicação da nota representa um avanço considerável na defesa das mulheres consumidoras. “Não se trata apenas de combater práticas abusivas já identificadas, mas também de antecipar desafios e promover um ambiente que reconheça a importância das mulheres no mercado de consumo”, afirma Amaral.

A implementação e divulgação das novas diretrizes abrangem todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O documento ainda incentiva a criação de políticas empresariais inclusivas e a ampliação de pesquisas focadas nos impactos de produtos e serviços no público feminino. Esta nota técnica está em sua terceira edição (publicada em 2023 e renovada em 2024 e 2025) e já foi apresentada, inclusive, na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

Importante salientar que o CDC já reconhece a vulnerabilidade do consumidor como um princípio fundamental. E, agora, essa premissa foi ampliada com um foco especial nas necessidades e realidades das mulheres.

Como identificar práticas abusivas no consumo?

Como identificar práticas abusivas contra mulheres nas compras e serviços?

Em primeiro lugar, é importante observar o atendimento. Se você perceber que alguém a está desqualificando ou não está ouvindo você, isso pode ser um sinal de discriminação.

Em segundo lugar, vale ficar atenta a preços diferentes para o mesmo produto. Ou seja, se homens e mulheres estão sendo cobrados de forma desigual, é um indicativo de prática abusiva e injusta. Ademais, mulheres enfrentam pressão para comprar produtos desnecessários. Se sentir essa pressão, questione a necessidade real. É o consumidor quem tem o direito de decidir.

Sob o mesmo ponto de vista, desconfie de políticas de devolução que pareçam desiguais. Se o processo para mulheres é mais difícil ou restritivo, é hora de levantar a voz. Por fim, é importante compartilhar experiências. Afinal, quanto mais informações compartilhadas, mais podemos educar outras mulheres e criar um ambiente de consumo justo e seguro.

Assédio

No que tange à proteção da mulher nas relações de consumo, outro tema importante é o assédio sexual. Hoje, 75% das mulheres residentes nas dez maiores capitais brasileiras já enfrentaram algum tipo de assédio sexual. A situação é mais alarmante em Porto Alegre, onde esse índice é de 79%, seguida pelo Rio de Janeiro e Recife, ambas com 77%. Por outro lado, Belo Horizonte e Fortaleza apresentam os menores percentuais, com 68%.

Em São Paulo, as mulheres têm proteção especial em ambientes públicos e privados através do Protocolo Não Se Cale. Essa iniciativa, coordenada pela Secretaria de Políticas para a Mulher, estabelece um padrão de acolhimento e apoio às vítimas de assédio, assegurando um atendimento adequado e seguro. De acordo com a legislação atual (Lei nº 17.621/2023 e Decretos nº 67.856 e 68.477), empresas dos setores de entretenimento, lazer e gastronomia precisam capacitar seus colaboradores no que diz respeito à identificação e ação em situações de socorro ou indícios de assédio.

Capacitação obrigatória

Valéria Bolsonaro, secretária de Políticas para a Mulher do governo paulista.

Inclusive, para melhorar a formação, o curso de capacitação obrigatória foi reformulado. E, agora, conta com uma carga horária reduzida para 15 horas, tornando o conteúdo mais assertivo e didático. O treinamento permanece disponível de forma online e gratuita, permitindo que os estabelecimentos comerciais se adaptem de maneira eficiente às exigências legais. Os interessados podem se inscrever no site da SP Mulher (https://www.mulher.sp.gov.br/naosecale/).

Além da capacitação, estabelecimentos como bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos devem sinalizar seus ambientes com cartazes padronizados do Protocolo Não Se Cale, primordialmente nos banheiros femininos. Também é imprescindível assegurar um ambiente seguro para a vítima e, se necessário, acionar as autoridades, sempre respeitando a decisão da mulher e orientando-a sobre a rede pública de apoio disponível.

“Com o novo formato do curso, esperamos que cada vez mais profissionais estejam prontos para agir em casos de assédio, contribuindo para a criação de ambientes mais seguros e acolhedores para todas as mulheres”, afirma Valéria Bolsonaro, titular da Secretária de Políticas para a Mulher do Estado de São Paulo.

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