“Estamos a poucos anos de treinar uma Inteligência Artificial como o ChatGPT em apenas duas horas usando computação quântica”, garante Carlos Rischioto, Líder de Inteligência Artificial e Computação Quântica da IBM para a América Latina.
Durante a celebração de 15 anos da LabData, em São Paulo, o especialista alertou que a tecnologia, que “parece coisa de ficção científica já é realidade”. Empresas de diversos setores, inclusive a IBM, já estão testando aplicações práticas que prometem resolver problemas até então impossíveis para a computação tradicional.
“A gente já consegue provar que a computação quântica permite resolver problemas que a computação clássica não dá conta. Não se trata de substituir o que temos hoje, mas de abrir uma nova fronteira para lidar com desafios muito mais complexos”, explica Rischioto, citando casos reais de uso em empresas como Hyundai, Delta Airlines e Moderna.




Vacina “para ontem”
Imagine se, na pandemia, tivesse sido possível acelerar o desenvolvimento da vacina da Covid-19 em questão de dias. Essa agilidade na produção vem sendo o objetivo da Moderna, que já está aplicando algoritmos quânticos para reduzir significativamente o tempo necessário para testar combinações moleculares em seus laboratórios.
A farmacêutica tem usado a tecnologia para explorar novas formas de modelar moléculas e simular interações complexas – algo que exige um poder computacional imenso e tempo de processamento inviável com os sistemas tradicionais.
“Com a computação quântica, conseguimos processar cenários bioquímicos com uma profundidade e velocidade inéditas. Isso abre caminho para avanços muito mais rápidos, como a descoberta de novos medicamentos e vacinas”, explica Rischioto.
O resultado é promissor: “Testes que antes levavam semanas ou até meses para serem concluídos, agora podem ser realizados em horas. Isso representa uma revolução para a indústria farmacêutica e, principalmente, para a saúde pública em momentos de crise sanitária”.
Mobilidade do futuro
Segundo o especialista, a computação quântica também tem potencial para transformar radicalmente, por exemplo, a forma como aplicativos de navegação entregam rotas para facilitar a mobilidade.
“Imagine um Waze que não apenas calcula o caminho mais rápido, mas sim o melhor trajeto possível considerando milhões de variáveis ao mesmo tempo – clima, obras na rua, comportamento dos motoristas, eventos na cidade e até previsão de congestionamentos futuros com base em padrões históricos e em tempo real”.
Atualmente, o app trabalha com algoritmos de otimização baseados em computação clássica, que fazem escolhas baseadas em um número limitado de cenários. Com a computação quântica, seria possível processar todas as rotas e variáveis simultaneamente, algo inviável com a tecnologia atual.
“O Waze do futuro poderá prever o trânsito com muito mais precisão e oferecer rotas que hoje seriam descartadas por pura limitação computacional. A experiência do usuário será muito mais inteligente, fluida e personalizada”, afirma Rischioto.
Na indústria automotiva, a Hyundai é outro exemplo de como a computação quântica pode acelerar inovações. A empresa tem utilizado a tecnologia para avançar no desenvolvimento de baterias mais potentes e sustentáveis para veículos elétricos.
Segundo Rischioto, a grande vantagem está na capacidade de simular materiais em nível molecular e prever seu desempenho sem precisar fabricar protótipos físicos.
“É uma revolução para a engenharia de materiais. Em vez de passar anos testando combinações no laboratório, conseguimos antecipar resultados e encontrar soluções muito mais rápido”, afirma.
Esse tipo de aplicação pode encurtar significativamente o ciclo de desenvolvimento de novas tecnologias automotivas e acelerar a transição para uma mobilidade mais limpa.
Aviação mais eficiente
No setor aéreo, a Delta Airlines também tem apostado na computação quântica para resolver um dos maiores desafios da aviação comercial: a otimização logística.
“Reprogramar todos os voos de uma companhia aérea em tempo real após um atraso ou uma tempestade é uma tarefa extremamente complexa, que envolve milhares de variáveis interligadas”, diz o especialista.
Com aplicações de tecnologia quântica, a companhia vem buscando simular cenários quase instantaneamente, ajustando conexões, redistribuindo aeronaves e equipes a fim de minimizar os impactos para os passageiros. “É como ter uma visão total do tabuleiro em tempo real, com capacidade de prever consequências antes de tomar cada decisão”, explica.
Segurança contra fraudes
No setor financeiro, a tecnologia pode ser uma aliada poderosa no combate a fraudes. Hoje, mesmo com o uso de Inteligência Artificial, a detecção de movimentações suspeitas ainda é um grande desafio.
“Muitos sistemas confundem comportamentos atípicos com fraudes reais. Isso gera um número enorme de falsos positivos e ineficiência operacional”, afirma Rischioto, que complementa: “Analisar bilhões de transações em tempo real exige um poder computacional que a computação clássica não consegue entregar”.
Com a computação quântica, a expectativa é outra. “Vamos conseguir identificar padrões de fraude com mais precisão, processando todas as variáveis ao mesmo tempo. A resposta será mais rápida, mais inteligente e muito mais eficaz”, completou.
Computação quântica + IA: o “casamento perfeito”
No evento, Rischioto também destacou o que chamou de “casamento perfeito”: computação quântica e Inteligência Artificial.
“A IA aprende com dados, mas a computação quântica tem o poder de acelerar esse aprendizado a um nível nunca antes visto”, explica.
Ele reforça que essa junção vai gerar avanços exponenciais em todas as áreas. “O impacto será tão profundo quanto foi a chegada da internet”, resume o especialista.
Mas o que falta para tudo isso?
Embora haja avanços, a computação quântica ainda enfrenta desafios importantes para se tornar acessível em larga escala. Um deles diz respeito ao qubit, ou bit quântico – unidade básica de informação na computação quântica que é o equivalente quântico do bit, a unidade básica de informação na computação clássica.
“O principal entrave hoje é a estabilidade dos qubits, que são extremamente sensíveis e exigem condições muito específicas para operar, como temperaturas próximas ao zero absoluto”, explica Rischioto.
Outro desafio está na capacidade dos hardwares atuais, “ainda longe de alcançarem máquinas com qubits suficientes e estáveis para executar tarefas complexas em escala comercial”.
Além disso, o especialista afirma que falta infraestrutura adequada, algoritmos otimizados para esse novo modelo e profissionais especializados impactam a evolução.
“Estamos evoluindo rápido, mas ainda estamos construindo as bases. É como se estivéssemos nos primeiros anos da computação clássica – sabemos do potencial, agora estamos preparando o terreno. Mas as projeções são boas: 2029 pode ser o ano em que assistiremos a computação quântica agir em alto nível”, conclui.
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