A polêmica recente envolvendo a OpenAI e o Studio Ghibli sobre uso de Inteligência Artificial (IA) na criação de imagens, instantaneamente virou não só uma trend como também reaqueceu o debate sobre limites da criação por IA.
Para compreendermos o futuro desse mercado é fundamental entendermos como novas tecnologias como a IA são adotadas e utilizadas por ilustradores e designers. Onde um esforço em equilibrar inovação tecnológica com respeito à propriedade intelectual e aos direitos dos criadores se desenha como um novo campo de discussões para novos avanços.
Para Thalles Santos, designer gráfico e analista de marketing fundador do Studio Arcora, o futuro do design e do marketing, por exemplo, está sendo moldado por essas novas tecnologias. Aqueles que entenderem e aplicarem tendências e novas ferramentas sairão na frente na próxima década.
“Criar ambientes digitais envolventes será um diferencial competitivo para marcas que buscam interação profunda com seus consumidores. Já os designs gerados por IA, como logotipos e interfaces personalizadas, serão uma solução prática e acessível, permitindo que empresas economizem tempo e recursos sem comprometer a criatividade”, analisa Thalles.
O papel do ilustrador e o futuro com IA
A ilustradora Mariana Zanetti conta que a relação profissional com a Inteligência Artificial é nula. “Ainda não me senti motivada a experimentar no meu trabalho”. Porém, ela enxerga a IA como mais uma ferramenta para o ilustrador.
“Em diversos momentos da profissão, novas ferramentas surgiram e elas foram sendo incorporadas ou não ao processo criativo de cada ilustrador. Acredito que, assim como qualquer outra ferramenta, um trabalho bom ou ruim pode resultar da sua utilização e cada ilustrador vai sentir se essa ferramenta faz sentido para o seu trabalho ou não”, avalia Mariana Zanetti.

Sobre a IA replicar estilos artísticos existentes com relativa facilidade e como isso impacta o valor do artista, Mariana percebe que o impacto está mais relacionado ao fato de como o mercado funciona do que a IA fazer um trabalho que de fato substitua o ilustrador. “O que quero dizer com isso é que muitas vezes o mercado busca estilos, que se tornam tendências e passam a ser, quase com exclusividade, o que se busca em termos de linguagem, gerando certa uniformização. Com ferramentas anteriores, como Photoshop e outros softwares de desenho digital, isso já aconteceu. No entanto, dentro de uma certa massificação de linguagem no mercado, a gente pode ver alguns artistas talentosíssimos usando essas novas ferramentas de forma muito pessoal e brilhante.”
É o caso da artista visual, Larissa Ribeiro, reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho com IA. Para ela, uma especificidade do uso da IA na profissão está na “possibilidade de colaboração humano/máquina”. Contudo, ela acha complicado essa relação e não vê com bons olhos a apropriação dos valores gerados por uma imagem que é fruto de trabalho de um artista por uma corporação.
“Meu desejo seria que este embate desembocasse num cenário utópico em que os royalties não fossem mais necessários à sobrevivência dos artistas, que passariam a ser valorizados pela sociedade pelo papel benéfico que desempenham na espécie humana. Mas para chegar a este ponto teríamos que passar por um exercício muito radical. Em resumo, não vejo isso como uma questão simples. É um fio que se puxa e acaba trazendo um complexo emaranhado de questões políticas, econômicas e éticas que ultrapassam amplamente os limites da criação artística e tocam diretamente no coração da forma como estruturamos nossa sociedade”.

Se a IA já pode eventualmente gerar ilustrações tecnicamente perfeitas e sob demanda, o papel do ilustrador caminha para uma transição de “curadoria criativa”? Mariana Zanetti diz que, em alguns casos, sim, mas nem sempre uma ilustração boa é tecnicamente perfeita. “Uma ilustração que se vale de processos manuais, por exemplo, e de seus acidentes criativos, que a tornam tecnicamente imperfeitas, pode ser uma ilustração melhor, em alguns casos, do que uma tecnicamente perfeita. E ela será insubstituível, porque as imperfeições podem até ser aprendidas pela IA, mas seus desdobramentos não”.
Para Larissa Ribeiro não existe uma resposta definitiva. Ela acredita que cada vez mais o usuário de IA vai desejar ter mais controle sobre o resultado, e as pessoas que têm mais domínio sobre a linguagem visual se destacarão. “Por exemplo, vejo um escritor querendo ilustrar seu próprio texto, mas precisará da ajuda de um profissional da imagem para materializar a ideia num esforço de direcionar a IA. Neste sentido o conceito de autoria estará cada vez mais tensionado, mas num panorama em que a enxurrada de imagens tende a aumentar exponencialmente, acredito que essa ideia de proprietário de uma imagem tenderá a se esfacelar.”
Uma discussão ética ou estética?
Diante de todas as possibilidades com a IA, o que é fundamental hoje para que o profissional da ilustração continue relevante para o mercado? Para Mariana Zanetti, vai depender de qual mercado.
“Num mercado mais massificado, que busca tendências, acho que quem dominar as ferramentas de forma mais eficiente e ágil vai se destacar. Mas sempre vai haver espaço, espero, para um trabalho que traga reflexão, pesquisa, criatividade e certa expressividade pessoal e, nesse caso, vai se destacar o ilustrador que usar os recursos que forem (inclusive a IA) com qualidade”.
Então, estaríamos diante de uma discussão ética ou estética sobre o real impacto da IA na ilustração? Segundo Larissa Ribeiro, não há como dissociar as duas coisas, “elas se retroalimentam”.
“E a IA já está nas nossas vidas há bem mais tempo do que nos damos conta, o que vai mudando é a maneira e a naturalidade com que interagimos com ela”.
Enfim, ao explorarmos e discutirmos o potencial da IA na ilustração, muitos outros tópicos importantes veem à tona. Torna-se evidente que estamos diante de um ponto de inflexão, complexo e multifacetado. O caso OpenAI e Studio Ghibli pode ter sido a ponta de lança para tais reflexões e discussões devido ao seu apelo popular.
O campo da criação está profundamente enraizado em interpretações pessoais e artísticas, além de ser fortemente influenciado por questões legais e de mercado, que variam significativamente de um território para outro. Legislações, por sua vez, ainda não estão plenamente alinhadas ou adaptadas ao contexto digital atual. Contudo, como bem pontua Mariana Zanetti, mesmo com todo potencial, “a IA nunca poderá representar uma perda da essência da ilustração como uma forma de expressão artística e pessoal.”
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