Nova série ‘Operação Transplante’ mostra histórias reais e desafios na doação de órgãos

Leonardo Oliveira de Moraes esteve entre os primeiros brasileiros a contraírem covid em 2020. Já com um quadro de diabete, ele ficou com algumas sequelas após o vírus, entre elas a insuficiência renal. Com os rins parando de funcionar, ele passou dois anos e meio fazendo hemodiálise, até que surgiu a oportunidade de ser encaminhado para a fila de transplante.

Quem doou um rim para ele foi sua esposa, Rosa Bartoski de Moraes. Agora, os dois estão entre os personagens de Operação Transplante, nova série documental que acompanha a jornada de pacientes e o dia a dia das equipes médicas por trás dos transplantes de órgãos no Brasil.

Em oito episódios, a série do Discovery Home & Health e da Max que estreia nesta quinta-feira, 27, acompanha 18 histórias de pacientes na fila de transplante no Brasil, e a corrida contra o tempo executada pelas equipes médicas para fazer a retirada e o implante dos órgãos dentro do tempo hábil. O termo de ordem aqui é “tempo de isquemia”, que designa o período em que o órgão pode ficar sem fluxo sanguíneo adequado e, ainda assim, funcionar normalmente.

Essa corrida é um dos focos de Operação Transplante. Cada episódio acompanha duas ou três histórias, mostrando sempre um transplante de órgãos autorizado pela família após o óbito e um transplante intervivos, possível em casos como rins, fígado, parte do pulmão e da medula óssea.

A equipe de filmagens registra todo o processo, desde o pedido de autorização no caso de um doador falecido até a recuperação do receptor. Na grande maioria dos casos do tipo, o órgão é retirado em um hospital e precisa ser transportado a outro, em cidades ou estados diferentes, e isso precisa ser feito imediatamente.

Um pouco de estratégia e um pouco de sorte

O diretor-geral Rodrigo Astiz, da coprodutora Mixer Films, explica ao Estadão que a proposta era ir além da parte médica, e também traduzir o medo e a expectativa que tomam conta de pacientes na lista de espera. Mas isso dependia de elementos que estavam além do controle de sua equipe.

“Desde o primeiro momento, nós explicamos [para as equipes médicas] claramente que teríamos que estar o tempo todo os acompanhando, e por meio dos médicos chegamos até os pacientes. Tínhamos uma estratégia que era gravar ao longo de três meses, e conhecer os pacientes que estavam mais alto em posição na lista, para termos maior chance estatística de conseguir gravá-los”, explica.

Mas foi necessário ter paciência e torcer. “Era colocar as equipes em campo de plantão nesses três meses e esperar. Porque aí vem um elemento imponderável, que é a sorte. Felizmente, o método que desenvolvemos funcionou, e nos permitiu contar essas 18 histórias de forma muito íntima”, comemora.

Ao longo da temporada, o espectador é convidado a conhecer a vida pessoal daqueles pacientes e de suas famílias, até mesmo para entender as limitações impostas para quem aguarda um transplante de órgão. A reportagem teve acesso antecipado a dois episódios, e um deles relata o transplante de fígado de um bebê de 11 meses.

“Nosso olhar sempre foi atento ao fato de ser um tema delicado, e por isso tivemos cuidado desde a formação da equipe até a montagem”, explica a produtora executiva Adriana Cechetti. “Uma discussão que tivemos foi até que ponto exibir ou não [os procedimentos cirúrgicos]. Mostramos os órgãos, mas entendíamos que isso fazia parte de contar a história e levar informação, porque as cenas não são mostradas descontextualizadas”, defende.

“É importantíssimo ter uma sensibilidade de todos nós para imaginar o que o público vai gostar de ver ou o que vai criar repulsa”, completa Astiz. “A gente não quer criar repulsa. Quando estamos mostrando uma cirurgia, precisamos andar em uma linha tênue. Contamos com a nossa sensibilidade e também a deles, para dizer se estamos no rumo certo. Um pouco dessa ligação emocional vem de entender a vocação da equipe médica e a relação emocional com o transplantado e sua família. A partir daí vem uma identificação muito grande, pois todos nós temos família, temos problemas de saúde, ou podemos ter.”

Leonardo concorda que o apoio emocional e a sensibilidade são importantes, tanto para a série quanto para o processo cirúrgico e pós-operatório. “Era importante ter confiança. Antes de fazer o transplante, tivemos uma palestra no Hospital das Clínicas com dois enfermeiros, e eu confiei que tudo o que eles estavam nos falando era verdade. E foi verdade”, celebra. “O apoio familiar, é claro, também é muito importante.”

Emoção que transborda

Ao longo dos meses de filmagens, a equipe de produção conheceu muitos pacientes e familiares na fila de transplante, sem saber de antemão qual seria o desfecho daquelas histórias. O envolvimento vem de forma natural, e em alguns casos foi difícil até para os profissionais segurarem as lágrimas.

“Para mim, como mãe, histórias com crianças sempre emocionam. É muito difícil assistir ao episódio porque é onde me pega”, confessa Adriana, revelando que toda a equipe de produção contou com apoio psicológico. “Nesse processo a gente tem histórias muito felizes, mas a gente tem histórias que não têm necessariamente um final feliz. Isso também foi muito, muito difícil.”

Astiz conta que nem mesmo as equipes de pré e pós-produção passaram ilesas ao choro. “Até com a equipe que está mixando o áudio da série, quando vamos aprovar, eles falam: ‘Gente, achei que eu tinha me matado de chorar no episódio anterior, e nesse aqui…’ São emoções diferentes.”

Série pode ajudar a aumentar índice de doações, acredita médico

Hoje, a fila de transplante de órgãos no Brasil é única, com painel atualizado diariamente pelo Ministério da Saúde. A ordem é baseada em critérios técnicos, como tipo sanguíneo, peso e altura, compatibilidade genética e gravidade. Atualmente, cerca de 45 mil pessoas esperam por um transplante de órgão no Brasil. Destes, 42 mil aguardam por um rim.

Para o Dr. Francisco Monteiro, coordenador do Sistema Estadual de Transplantes de São Paulo, um dos grandes benefícios de um projeto como Operação Transplante ir para o ar é o efeito prático em possíveis doadores.

“Cada vez que você tem a mídia falando de maneira proativa e positiva sobre doação e transplante, isso repercute em uma maior doação, em maior autorização ou menor índice de não autorização da família. No Brasil, em decorrência da legislação existente e do seguimento rigorosos desses pontos, o que a gente vê é que repercussão negativa não existe, objetivamente falando. Existem especulações, e essas especulações a gente até dá como saldo positivo, porque nos levam à mídia para explicar o que realmente acontece.”

O médico lembra o caso recente do apresentador Faustão, cujo transplante de coração levou muitos a se informarem sobre a doação de órgãos e o funcionamento da ordem de prioridades. “O povo não acredita, mas ele teve muita sorte”, aponta Monteiro.

“O grupo sanguíneo dele é um que tem uma lista de espera pequena. A outra coisa é que apareceu um doador que era para o Faustão. Era um doador grande, e o Faustão é grande. O coração, como é uma cirurgia autotópica -ou seja, eu retiro o órgão e coloco outro no lugar-, tem que ser muito parecido com o tamanho do órgão original. Além disso, a legislação brasileira não autoriza o transplante com incompatibilidade ABO [de grupos sanguíneos], e isso reduziu muito a lista. Tinham outros pacientes que eram do grupo sanguíneo compatível, que foram excluídos porque as medidas antropométricas não batiam. Então, ele realmente teve muita sorte, e está vivo graças ao transplante.”

O saldo positivo de um possível aumento do número de doadores, é claro, é dos pacientes. “Doem órgãos, porque não é nenhum bicho de sete cabeças”, pede Leonardo. “Só a satisfação do doador poder salvar uma vida em potencial já é extremamente gratificante. Doem, não tenham medo.”

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