Em 2014, o Google comprou uma briga enorme com agências de notícias da União Europeia (UE), ao decidir que não pagaria um centavo pela indexação de links no Search, seu motor de busca. Quando o governo da Espanha tentou endossar a cobrança, a gigante das buscas retaliou com a desindexação do país inteiro, o que afetou as finanças de todos os jornais espanhóis.
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O caldo entornou quando a companhia tentou fazer o mesmo na França, o que foi respondido com um processo por abuso de poder econômico, e violação da neutralidade da rede. Com base nos Artigos 11 e 13 da Lei de Direitos Autorais da UE, companhias não podem escolher o que vão exibir ao usuário, o entendimento das cortes sendo de que a única opção é indexar, e pagar.

Google diz à UE que não precisa de links de notícias no Search para fazer dinheiro com anúncios (Crédito: Dado Ruvic/Reuters)
O Google sempre tentou dar voltas no argumento, e agora sacou uma carta baseada em um recente experimento, que segundo a gigante, mostrou que a inclusão ou não de links de notícias de fontes europeias pouco influi na receita de anúncios, de modo a usar o argumento para conseguir melhores acordos com agências.
Google ainda não quer pagar por links de notícias
A briga entre o Google Search e agências de notícias é velha, e estas ganharam novo fôlego quando em 2018m, Rupert Murdoch, então diretor-executivo da News Corp. (The Wall Street Journal, Fox News), disse que companhias como Meta e Google deveriam pagar pela indexação e veiculação de links confiáveis.
A noção é simples, a produção de matérias envolve custos diversos, originalmente nem o Google, nem outra empresa que indexa e publica links na internet em motores de busca, redes sociais, etc., embolsavam toda a receita gerada com anúncios, e não repassavam um centavo sequer às agências.
O ponto principal, como notícias são protegidas por direitos autorais, seus links por extensão também são, e a DMCA (Digital Millenium Copyright Act), a lei global de copyrights, é bem clara quanto ao pagamento pelo uso de material protegido; o que o Google argumentava, é que a indexação sem pagamento não é uma infração, por ser um serviço básico da internet, do que a Justiça geralmente discorda, pois o mesmo é a principal fonte de receita da gigante, graças à veiculação de anúncios relacionados.
Murdoch passou a bancar um lobby fortíssimo em todos os cantos do mundo, de modo a pressionar as empresas, especialmente o Google, a pagarem pelos links. A gigante das buscas e o Meta apelam para a estratégia da Terra Arrasada, removendo todas as indexações sempre que um governo ousa pressioná-las a abrirem a carteira; foi o que aconteceu na Austrália e na Nova Zelândia, onde leis foram passadas que forçam a indexação e o pagamento, com derrota de ambas companhias/
Deste lado do Atlântico, os efeitos foram diversos. No Canadá, uma lei foi aprovada e hoje o Google paga pelos links, já na Califórnia, a empresa fechou um acordo com empresas e governo locais, para investir na área em troca de que uma nova legislação, que a force a pagar, não seja aprovada. O Brasil também possui um projeto nesse sentido, obviamente apoiado pelas grandes agências de notícias do país, como os grupos Globo, Estado, e Folha.

Logo do Google na entrada da sede da companhia, em Mountain View (Crédito: Aly Song/Reuters)
Voltando à UE, o Artigo 11 da atual Lei de Direitos Autorais, que estabelece o pagamento pela indexação e/ou compartilhamento de links, não diz nada sobre se uma companhia é obrigada a incluir os mesmos em seus serviços, o que o Google usa a seu favor para removê-los quando em desvantagem, o que nos traz ao tal experimento, anunciado pela companhia em novembro de 2024.
O teste consistiu na total remoção dos links de notícias do Search de veículos europeus em 8 países do bloco, a saber Bélgica, Croácia, Dinamarca, Espanha, Grécia, Itália, Países Baixos, e Polônia; a França seria incluída no experimento, mas a Suprema Corte local alertou o Google de que o ato violaria o atual acordo pelo pagamento de links a agências, e seria inevitavelmente multada, pela terceira vez; nas duas últimas, Paris não foi nada gentil.
Segundo o Google, o experimento afetaria “uma pequena porção” de usuários, e que o intuito era verificar o impacto de tráfego e experiência de uso, além do impacto no caixa. Agora os resultados saíram (cuidado, PDF), e a empresa diz que a remoção do conteúdo não implicou em nenhuma mudança, tampouco afetou a receita com anúncios; a variação de −0,8% é considerada dentro do esperado para o período, com ou sem links de notícias.
A empresa diz que, durante negociações realizadas com agências europeias de notícias, ela se deparou com “relatórios imprecisos que superestimam o valor de notícias” para a companhia, o que levou o Google a realizar o experimento, onde agora alega que a indexação “não gera nenhum impacto mensurável em receita com anúncios” para a gigante.
Trocando em miúdos, o Google mandou um recado bem claro para as agências europeias: “vocês precisam de mim, mas eu não preciso de vocês”.

iPhone com Busca do Google aberta no navegador Safari (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
O objetivo é pressionar por acordos mais vantajosos, o que poderia escalar para uma total desindexação da Europa, excluindo a França, que não hesitaria em multar a empresa outra vez, e a Alemanha, que está seguindo a mesma lógica.
Negociações poderiam ser tratadas individualmente com cada país, ao invés de seguir a lei europeia, já que uma desindexação, como o caso da Espanha ilustrou, seria catastrófica para os veículos de mídia, mas não causaria dano algum às finanças da gigante.
Embora a lei de direitos autorais não diga nada sobre se desindexar um país inteiro, ou toda a UE, é ilegal ou não, diferente das legislações vigentes na Austrália e na Nova Zelândia, a manobra do Google ainda é delicada, pois as cortes (especialmente a francesa) entendem que uma companhia de seu tamanho e poder econômico, que exerce monopólios em vários setores, não pode remover todos os links, o que poderia se reverter em uma onda de processos, multas, e sanções, tanto de países individualmente, quanto da Comissão Europeia.
Da última vez que o Google ameaçou um país com remoção dos links, o então primeiro-ministro australiano Scott Morrison respondeu na lata:
“Serei bem claro: nós fazemos nossas regras, sobre coisas que você (o Google) pode fazer na Austrália. Isso é feito no nosso parlamento, pelo nosso governo, e é assim que fazemos as coisas por aqui. Aqueles que quiserem fazer negócios na Austrália são bem-vindos (…), mas nós não cedemos a ameaças.”
É provável que o Google use o estudo para conseguir acordos que sejam mais vantajosos para a empresa, do que puxar a tomada de países que não quiserem jogar por suas regras, mas a possibilidade existe, assim como a inevitável resposta viria na forma de processos, que conhecendo a UE, poderão ser bem pesados.
Fonte: Engadget
UE: Google diz que Search “não precisa” de notícias