David Lynch, o mestre surrealista dos sonhos

Tom Leão

A música sempre foi um elemento importante para a tradução das imagens oníricas do diretor David Lynch, que acabou de nos deixar, aos 78 anos. Desde o jazz e r&b dos anos 50 e 60, passando pelo rock metal e alternativo, e culminando com as trilhas atmosféricas de Angelo Badalamenti, o elemento musical sempre fez parte do todo.

  Contudo, a sua filmografia não é palatável a todos. Lynch, sempre foi adepto do surrealismo e do bizarro. Dizia que seus filmes derivam de sonhos que tem, e que, por isso, sempre dormia com um bloco de notas ou gravador, para guardar as ideias que os sonhos lhe traziam. Por isso, também, a maioria de seus filmes não são facilmente explicáveis ou tem lógica. Basta ver delírios como ‘Lost Highway’ (cuja trilha sonora é espetacular, que vai de Marilyn Manson ao Nine Inch Nails) ou ‘Mullholland Drive/Cidade dos Sonhos’ (que seria uma série de TV, foi rejeitada e o diretor pegou o que tinha e fez um longa, que é um de seus melhores filmes). Inexplicáveis.

Foto: Reprodução/Internet

  Lynch começou com curtas (quatro, compilados em VHS após sua fama, em 2001) e estreou em longa, com o fantástico ‘Eraserhead’ (1977, inédito aqui, vi nos anos 80, em VHS pirata). Logo, estreou no mainstream, com o pé direito, com ‘O Homem Elefante’, bancado por Mel Brooks, e com um clima e fotografia semelhantes aos de ‘Eraserhead’, só que com uma trama linear. Seu gosto pelo grotesco, pelo clima dark e pelos ruídos industriais estão todos lá. Daí, acabou fazendo o grandioso ‘Duna’ (música-tema de Brian Eno, trilha a cargo do Toto!), que não saiu como deveria (foi muito editado) e acabou sendo um filme que ele não considera como seu, apesar de sua mão estar em cada fotograma. Pessoalmente, prefiro este ‘Duna’ imperfeito do que os atuais, assépticos, do Villeneuve.

 Mas, foi com ‘Veludo Azul’ (1986), que o estilo ‘Lynchiano’, como passou a se dizer, entrou em nossas vidas (aquela sala retro com cortina vermelha e assoalho preto e branco). Ainda que tenha um roteiro aparentemente linear (uma trama misteriosa envolvendo um crime), todos os elementos Lynch de sonho e surrealismo já estão lá. Mas, isso se consolidaria, de vez (junto com o nome do diretor) com a série de TV ‘Twin Peaks’ (1989-1991), que foi o que realmente botou o nome do diretor no mapa. Não era HBO, mas foi um divisor de águas nas séries de TV, mudou tudo, dali em diante. E fez os EUA parar para assistir, no domingo à noite, para saber quem matou Laura Palmer.

 Eu via por VHS copiado da TV, que amigo mandava, de NYC, com os eps do mês (com captions). Chegou aqui atrasada e foi toda mutilada pela Globo, que exibia domingo à noite, após o ‘Fantastico’. Como não deu audiência (muito estranho para a TV aberta?), passaram a exibir mais tarde e foram editando até o capítulo da revelação, sem concluir a série! Sem contar que a dublagem era péssima e suprimia a maravilhosa trilha sonora do Angelo Badalamenti. Um crime!

 Daí em diante, já com o nome estabelecido, começou a fase de ouro de Lynch, com filmes como ‘Coração Selvagem'(1990), que deu a Palma de Ouro, em Cannes, ao diretor (que só ganhou Oscar honorário); ‘Estrada Perdida’ (1997, um de meus favoritos); ‘Cidade dos Sonhos’ (2001), entre outros. No meio disso, Lynch dirigiu ‘Sinfonia Industrial, numero 1′ (1990)’, um espetáculo filmado num teatro em NYC, com a cantora Julee Cruise (que canta a maioria das músicas na trilha de ‘Twin Peaks’) e orquestra de Angelo Badalamenti (que compôs tudo de ‘Twin Peaks’). O show, na verdade, é um sonho dos personagens principais de ‘Coração Selvagem’.

No fim das contas, a carreira do diretor, no cinema, nem foi tão longa assim, tendo sido encerrada com ‘Império dos Sonhos’ (2009).  Mas, Lynch continuou fazendo anúncios (até para o PlayStation), clips musicais (dirigiu um show do Duran Duran!) e coisas diversas para TV. Em comum, sua estreita ligação com a música. Desde as bandas que tocavam na Road House, de ‘Twin Peaks’ (foi lá que vimos, pela primeira vez, Julee Cruise, e várias bandas indies), convidou Trent Reznor para fazer a trilha de ‘Lost Highway’ (aliás, o Nine Inch Nails toca no episódio 8 da terceira temporada de TP), antes que esse, em parceria com Atticus Ross, virasse um ganhador de Oscars) até os seus próprios discos (tenho dois de seus três álbuns, ‘Crazy clown time’ e ‘The big dream’) e parcerias com outros, como Danger Mouse & Sparklehorse (‘Dark night of the soul’) e Flying Lotus (‘Flamagra’), além da cantora e atriz Chrystabell, que atua na terceira temporada de ‘Twin Peaks’.

Aliás, a sensacional terceira temporada, só chegou em 2017, por uma razão: seguindo uma pista que a finada Laura Palmer (Sheryl Lee) diz (falando de trás para frente) para o Agente Cooper (Kyle McLachlan, seu ator favorito), no final da segunda temporada de ‘Twin Peaks’: ‘I´ll see you again in 25 years’ (te vejo de novo em 25 anos). Agora, jamais veremos Lynch, novamente. A não ser no mundo dos sonhos.

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