Carla Madeira: conheça os três livros da escritora mineira

A mineira Carla Madeira tem se destacado como uma das escritoras mais lidas e admiradas no Brasil nos últimos anos. Antes de se dedicar à literatura, Carla – hoje com 60 anos – construiu uma carreira sólida como publicitária e roteirista, mas foi na escrita de romances que encontrou sua verdadeira paixão. 

Sua narrativa é marcada pela exploração profunda das emoções humanas, dos conflitos internos e das relações interpessoais. Seus livros abordam temas universais como amor, dor, culpa e redenção, sempre com uma linguagem poética e cheia de nuances. 

Nascida em Belo Horizonte, Carla Madeira primeiro ingressou no curso de Matemática na Universidade Federal de Minas Gerais, mas não concluiu. Ao invés disso, formou-se em Comunicação:

“Venho de uma família de matemáticos: meu pai é matemático, meus irmãos todos são da área de exatas. Mas também é uma família de muita música, muita arte. Meu pai era um intelectual e minha mãe mal completou o primário, mas era uma artista, de olhar para nuvem, fazer poesia, criou a gente cantando. Então, eram duas energias tão fortes para mim e eu cresci gostando muito dessas coisas. 

Minha paixão pela palavra veio através da música e não pela literatura. Foi Chico Buarque, Caetano, Gil, Clube da Esquina. Passei a adolescência tendo banda, fazendo show, cantando em bar, achando que eu ia ser cantora. E, quando chegou a hora de decidir qual curso superior eu iria fazer, como eu gostava de matemática e existia o temor na minha que eu fosse totalmente artista, fui para a matemática. 

Fiz dois anos e meio. Um dia, cheguei em casa e disse que não ia mais fazer. Fui para a comunicação. A publicidade usa todas as linguagens artísticas: a música, o cinema, a literatura. Eu fazia roteiro para filme, muitos tipos de textos. Isso me deu um treino de síntese, imagético, e acho que a minha literatura se beneficiou com isso.”.

A escritora Carla Madeira | Imagem: Márcia Charnizon

Carla Madeira é presidente da agência de comunicação mineira Lápis Raro, fundada, liderada e composta majoritariamente por profissionais mulheres.

Hoje, vamos conhecer melhor os três romances que consagraram Carla Madeira no cenário literário brasileiro: “Tudo é Rio”, “A Natureza da Mordida” e “Véspera”.

Conheça os três livros de Carla Madeira

1 – Tudo é Rio (2014)

“Suor, sangue, lágrimas, saliva, sémen. Tudo flui sem parar.”

“Tudo é Rio” é o livro de estreia de Carla Madeira, lançado em 2014. 

Com uma narrativa madura, precisa e ao mesmo tempo delicada e poética, o romance narra a história do casal Dalva e Venâncio, que tem a vida transformada após uma perda trágica – resultado do ciúme doentio do marido – e de Lucy, a prostituta mais depravada e cobiçada da cidade, que entra no caminho deles, formando um triângulo amoroso. 

A metáfora do rio se revela por meio da narrativa que flui – ora intensa, ora mais branda – de forma ininterrupta, mas também por meio do suor, da saliva, do sangue, das lágrimas, do sêmen, e Carla faz isso sem ser apelativa, sem sentimentalismo barato, com a habilidade que só os melhores escritores possuem.

Com forte protagonismo feminino, o livro traz questões ligadas à família, abuso, violência doméstica. Na construção de personagens longe de serem maniqueístas, a autora se aprofunda na complexidade deles e nos extremos que regem suas vidas, como amor e ódio, acolhimento e abandono, felicidade e desencanto.

Na orelha do livro, a escritora Martha Medeiros escreve: ‘Tudo é Rio’ é uma obra-prima, e não há exagero no que afirmo. É daqueles livros que, ao ser terminado, dá vontade de começar de novo, no mesmo instante, desta vez para se demorar em cada linha, saborear cada frase, deixar-se abraçar pela poesia da prosa. Na primeira leitura, essa entrega mais lenta é quase impossível, pois a correnteza dos acontecimentos nos leva até a última página sem nos dar chance para respirar. É preciso manter-se à tona ou a gente se afoga.”

No ranking dos livros de ficção mais vendidos de 2021, “Tudo é Rio” ocupou o segundo lugar, com mais de 40 mil exemplares vendidos, logo atrás de “Torto Arado”, grande sucesso editorial do baiano Itamar Vieira Junior, que vendeu mais de 200 mil exemplares.

Em 2021, o título era um relançamento: ele foi lançado a primeira vez em 2014, pela editora Quixote, e voltou ao mercado sob a chancela de uma grande editora, a Record.

O livro começou a ser escrito por Carla no final dos anos 1990, quando uma situação dramática envolvendo Dalva e Venâncio paralisou sua escrita, que foi só retomada 14 anos depois, de forma intensa: “Voltei ao livro, eliminei todo uma primeira parte que existia e comecei daquilo que tinha me paralisado por tanto tempo: seja lá o que for, é aqui que eu quero mergulhar. É um livro muito transbordamento, levei oito meses escrevendo num fluxo insano de produção.”, conta a escritora.

Em entrevista à CNN, no ano de 2021, Carla Madeira falou mais sobre o sucesso que o  livro atingiu, sete anos depois dele ser lançado pela primeira vez: 

“Tem uma questão que é colocada, que é o tempo emocional que a gente tem diante de uma agressão. De você perceber essas camadas, essa possibilidade do bem e do mal que convive dentro da gente. A gente tem essas potências de violência e afeto, de perdoar, de vingar. 

A questão de que pode-se perdoar o imperdoável, o que significa isso. Compreender que perdoar não é o contrário de punir, que você pode perdoar, mas isso não libera o agressor da punição. Ficar presa a uma história de amor que é também uma história de violência. E pensar: existe amor quando existe violência? Então, acho que todas essas questões vêm à tona, só que percebo claramente que o livro tem camadas. 

Então, por exemplo, tem a questão da sexualidade, que é uma questão tão difícil às vezes, da mulher nesse lugar do desejo explícito. Embora Lucy tenha uma sexualidade muito fálica, muito do controle, acho que ela expressa esse gatilho: por que a mulher não pode estar nesse lugar do prazer pelo prazer? Ela coloca essa discussão.”.

2 – A Natureza da Mordida (2018)

“O que você não tem mais que te entristece tanto?” É com esta pergunta que Biá, uma psicanalista aposentada, apaixonada por literatura, aborda a jovem jornalista Olívia pela primeira vez ao encontrá-la sentada à mesa de um sebo improvisado. 

A provocação inesperada, vinda de uma estranha, capaz de ouvir “como quem abraça”, desencadeia uma sucessão de encontros, marcados pela intimidade crescente e que aos poucos revelam as histórias das duas mulheres: “Nossa amizade começou assim, enquanto nos afogávamos”, relata Olívia

Com alternância entre as vozes, a força narrativa objetiva, descritiva e linear de Olívia contrapõe-se às anotações esparsas de Biá, cujos fragmentos de uma memória já falha e pouco confiável conduzem a um ponto de virada na trama que irá revelar ao leitor eventos que marcaram o passado de cada uma, evidenciando o paralelo entre as diferentes formas de abandono sofridas (e perpetradas) pelas duas amigas. 

Ao conhecer Olívia, o leitor é preparado para compreender Biá e, finalmente, refletir sobre a pergunta: o que faríamos em seu lugar? Como nos outros romances da autora, as personagens parecem saltar do papel para colocar o leitor diante de questões universais, entre elas a incondicionalidade do amor, a força do desejo, a culpa e o esquecimento, a memória e sua dinâmica inescrutável com o perdão. 

“A Natureza da Mordida” – segundo romance de Carla Madeira, de 2018 – é também um livro sobre amizade. Com uma narrativa singular, potente e envolvente, a autora se reafirma como um dos maiores nomes da literatura nacional contemporânea.

3 – Véspera (2021)

No seu terceiro e mais recente livroVéspera”, de 2021 – Carla Madeira cria personagens que parecem estar vivos diante de nós. As emoções que sentem são palpáveis e suas reações, autênticas. Temos a sensação de conhecê-los de perto, inclusive as contradições e os pontos cegos. 

Os personagens possuem a mesma incrível força vital dos seus dois primeiros romances, mas – se em “Tudo é Rio” Carla os criou com poucas pinceladas e traços incisivos, aqui, para delinear suas personalidades, ela opta por uma superposição de camadas psicológicas. 

Se antes eles primavam por temperamentos drásticos — capazes de extremos de paixão, ciúme, ódio e perdão —, aqui a estratégia gradativa de composição confere-lhes uma dose maior de mistério, sugerindo ao leitor antecipações que só aos poucos se confirmam, ou não. A força emocional continua existindo, porém está menos visível, o que deixa a atmosfera ainda mais carregada de suspense e tensão. 

A narrativa começa com a pergunta: “Como se chega ao extremo?”. Vedina, uma mulher destroçada por um casamento marcado pelo desamor, em um momento de descontrole abandona seu filho e, imediatamente arrependida, volta para o lugar onde o deixou e não encontra quaisquer vestígios de sua presença. 

Este é o acontecimento nuclear da trama que expõe as entranhas de uma família – pai alcoólatra, mãe controladora, irmãos gêmeos tensionados pelas diferenças – que, como tantas outras famílias, torna-se um lugar onde as singularidades de cada um não são acolhidas, criando rachaduras por onde a violência se infiltra.

Contada em dois tempos, o dia do abandono e os dias que vieram antes dele, o romance avança como duas ondas até que elas se chocam e se iluminam. O leitor se vê diante de um espantoso presente que expõe o quanto as palavras são capazes de inventar a verdade. 

“O tempo flutua invisível e em espesso presente. Nada apodrece sem ele. Nada floresce. Nada se torna amável. Nenhum ódio viceja. Nenhuma umidade seca. Nenhuma sede cede. As tempestades não inquietam nele ventos, as avalanches não podem soterrá-lo, a perplexidade não o paralisa, o mal não o ameaça e o bem não faz com que se demore. Mas eis que um acontecimento, um único acontecimento, captura o tempo e o aprisiona.”.

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