Copa de 1958 foi um espetáculo para o rádio, mas a televisão brasileira não ficou de fora

A TV brasileira foi inaugurada em setembro de 1950, e o esporte, desde os primórdios da história televisiva do país, esteve presente na grade de programação das emissoras. A pioneira Tupi foi também a primeira a transmitir um jogo ao vivo entre cidades: imagens de Santos chegaram a São Paulo. Já a Record, inaugurada em 1953, conseguiu a façanha de exibir uma partida do Rio de Janeiro para a capital paulista. À época prevalecia a determinação dos técnicos aliada a uma certa (em verdade, generosa) dose de improviso. Um exemplo um tanto quanto caricato ilustra essa situação: telas de galinheiro ajudaram a retransmitir as imagens via sinais de micro-ondas.

Ainda destacando a TV Tupi, a emissora teve “exclusividade” para exibir no Brasil as imagens da Copa de 1958 — os Diários Associados pagaram 5 mil dólares aos organizadores. A Sveriges Radio, emissora estatal sueca, gravou partidas em “kinescópio” de 16 milímetros. O formato em filme era anterior ao videoteipe (usado pela primeira vez na Copa de 1962). A maior parte desse acervo se perdeu no tempo e são poucas as partidas do Mundial de 1958 preservadas na íntegra. A maioria dos registros enviados ao Brasil continha apenas lances dos jogos.

Das seis partidas da seleção naquela Copa, somente a semifinal, contra a França, e a decisão, diante da Suécia, foram preservadas na íntegra. No dia a dia do Mundial, os trechos dos jogos eram enviados para a sede da TV Tupi no Rio de Janeiro. O jornalista Rui Viotti, um dos grandes nomes do esporte televisivo do país, fazia comentários durante a exibição, diretamente dos estúdios no Rio de Janeiro. Oduvaldo Cozzi, que narrou os jogos pela Rádio Tupi, era polivalente e gravava reportagens para a televisão diretamente da Suécia. Ele viajou à Europa no mesmo avião dos jogadores da seleção e estava acompanhado dos cinegrafistas Ortiz Rúbio e Orlando Abreu.

O livro “50 anos de TV no Brasil”, de José Almeida Castro, traz uma curiosa passagem sobre um ocorrido com as imagens da estreia da seleção contra a Áustria. O filme, possivelmente com apenas trechos da partida, foi enviado ao Brasil, mas o carregamento não chegou à TV Tupi. “No dia 11, era véspera do segundo jogo do Brasil na Copa [diante da Inglaterra] e nada havia chegado, para nosso desespero. A grande surpresa foi ver no ar um filme sobre o primeiro jogo [contra a Áustria] em nosso concorrente, a TV Rio”, conta Almeida Castro. No pacote estava escrito: “Urgente TV Rio-Brasil”. Ou seja: os funcionários do serviço postal do aeroporto no Rio de Janeiro, assim que o filme foi despachado, acharam que se tratava de uma encomenda para a TV Rio, canal 13, já que não havia qualquer referência à Tupi.

O dono da TV Rio, João Batista “Pipa” do Amaral, não pensou duas vezes ao ver aquele pacote em mãos: determinou para que as imagens fossem ao ar. A atitude, além de pegar de surpresa os executivos da concorrente Tupi, causou incômodo em Paulo Machado de Carvalho, que era sócio e cunhado de “Pipa”. O “Marechal da Vitória”, ao saber que a TV Rio tinha exibido as imagens do jogo de estreia da seleção, ficou irritado, pois esperava que a emissora também as repassasse à Record de São Paulo. O troco em “Pipa” foi dado quando os jogadores retornaram ao Brasil, após a conquista. No desembarque no Rio de Janeiro, Paulo Machado de Carvalho não permitiu que a comitiva atendesse ao convite da TV Rio para uma recepção aos campeões. Pelo contrário: o “Marechal” autorizou que os atletas fossem à sede da revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, proprietário da Tupi e concorrente da TV Rio.

A Tupi teve os direitos de exibir imagens da Copa no Brasil. Enquanto isso, a TV Rio enviou à Suécia um profissional marcado pela sua notória polivalência: era o jornalista, narrador e comentarista Luiz Mendes, um dos grandes nomes da história da imprensa esportiva brasileira. Mendes foi à Europa acompanhado do cinegrafista Augusto Rodrigues. Os dois entravam no estádio como se fossem torcedores, e uma câmera Auricon ficava escondida em uma sacola em meio a sanduíches e refrigerantes. Depois do início do jogo, com o público entretido com o espetáculo, o cinegrafista gravava trechos pontuais dos duelos. A dupla, além de fazer de tudo para não ser vista por seguranças ou por outros colegas da imprensa, jamais poderia ser descoberta por Paulo Machado de Carvalho.

Assim como a Tupi, a TV Rio também apresentava um programa específico sobre o Mundial disputado na Suécia. Batizada de “Copa do Mundo”, a atração foi ao ar a partir de março de 1958. O narrador Raul Longras, o comentarista Benjamin Wright (pai do ex-árbitro José Roberto Wright) e o próprio Luiz Mendes compunham o telejornal. Depois do incidente envolvendo a exibição do jogo de estreia contra a Áustria, a TV Tupi passou a receber corretamente o material das partidas.

A emissora, aliás, instalou aparelhos de rádio na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, e no dia da decisão da Copa aproveitou para colocar uma câmera no local. Quem sintonizou o canal 6 no dia da grande final da Copa assistiu imagens diretas do centro do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, ouviu, no próprio aparelho de televisão, a narração de Oduvaldo Cozzi feita pela rádio Tupi. O som ecoava pelo centro da então capital da República. Era um momento importante do esporte e também da televisão brasileira. Na sequência, ouça um disco comemorativo com as narrações da Rádio Tupi nas Copas de 1958, 1962 e 1970. 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.