Lost in translation: decifrando a Geração Z

“Isso é muito cringe.” “Isso é muito sus.” “Que coisa mais poggers.” “Aposto, vamos lá!” “Nossa, essa roupa tá muito drip!”

Um dos grandes desafios em compreender a Geração Z – e a Alpha, que já entra na adolescência – está na linguagem. É difícil admitir – ainda mais para os Millennials com ascendente em GenZ – que não conseguimos mais compreender as gírias dos mais jovens. É um movimento similar aos nossos pais, que dado momento deixaram de entender as expressões dos filhos, sobrinhos e netos.

E possivelmente essa dificuldade de tradução seja um dos motivos que a Geração Z fascina tanto as empresas e suas lideranças. Claro, além do fato de que, em breve, os Zs representarão a maior parcela de consumidores e profissionais no mercado de trabalho.

Tradução simultânea

Segundo o relatório “Youth: Decoding Slanguage”, da consultoria WGSN, plataformas como TikTok, Instagram, X (antigo Twitter) e Snapchat se tornaram espaços-chave para a interação social, conexão e expressão desse público. Nessas redes sociais, as gírias e termos que se popularizaram tem raízes no inglês vernáculo afro-americano e na cultura do hip-hop.

Se você não conhecia as expressões ali no início, fique em paz, não é a única pessoa a se deparar com essas gírias e ficar um pouco perdido. “Cringe” está na ponta da língua, significa algo vergonhoso, mas não muito. “Sus” é uma abreviação para “suspeito”. “Poggers”, a mais esquisita de todas, quer expressar um sentimento de alegria ou empolgação. “Drip” tá fácil, significa que a pessoa ou a roupa que ela usa é estilosa.

Mas o desafio está além do vocabulário dessa galera. Se por um lado essa juventude desvairada apresenta alguns comportamentos bastante diferentes em relação às gerações anteriores, como o desapego em relação ao trabalho, a falta de aspiração na carreira e até um consumo menor de bebidas alcóolicas, por outro lado esses indivíduos estão redefinindo as relações de consumo.

Conectividade crônica

São a geração born digital e cronicamente online. São nas redes sociais que os GenZ encontram entretenimento, consomem notícias, ficam ligados nas últimas tendências, comunicam-se, trocam experiências, expressam-se e até aprendem a cozinhar. Quem lembra das reclamações dos clientes da Sephora de que os jovens estavam testando as maquiagens e produtos, deixando tudo uma bagunça? O movimento ganhou até um apelido: “Sephora Kids”.

Até a Lancôme entrou na brincadeira e lançou em outubro a Cafeteria Idôle no Brasil, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, com o objetivo de criar uma experiência offline conectada ao universo online para atrair os GenZ. Já a marca Sol de Janeiro ganhou força entre os jovens com uma estratégia de marketing instagramável e que exala aspiração.

Em suma, como aponta o Grupo Consumoteca em seu estudo “Geração Crtl+Z”,  que traz as nuances de comportamento dos jovens na América Latina, “sem separação entre on e off, não estabelecem fronteiras entre público e privado, coletivo e individual”. Devido a uma busca por estímulos, um desejo por experimentação e a necessidade de diferenciação, essa geração entende o consumo:

  • Como um processo terapêutico: 49% acreditam que consumismo é uma das principais características e sua geração – no Brasil, esse valor aumenta para 57%. Além disso, o estudo aponta que o TikTok se tornou uma ferramenta de descoberta de novos produtos;
  • Como uma possibilidade de smart buying: sendo uma geração que está iniciando sua carreira ou ainda não ganha o próprio dinheiro, entende que é preciso comprar por meio de barganhas, buscando vantagens, preços acessíveis e ofertas;
  • Como um caminho para a diferenciação: buscam produtos exclusivos, únicos que o diferenciem das outras pessoas, procurando esses elementos em marcas com as quais se identificam ou admiram.

Não seja cringe

Ok, então já que a Geração Z usa essas gírias descoladas e está o tempo todo usando o TikTok em sua jornada de consumo, quer dizer que eu devo fazer uma estratégia nas redes sociais falando do mesmo jeito que esses jovens? Não é bem assim que a banda toca.

Começando pela linguagem, o estudo da WGSN dá algumas dicas. Primeiro, esses consumidores conseguem identificar rapidamente se há alguma comunicação que não é autêntica. Por isso, é importante se conectar com criadores de conteúdo e trazê-los para a estratégia de marketing, tornando-os até embaixadores da marca e das campanhas.

Também é possível incorporar com sabedoria alguns elementos da linguagem gamer, o que ressoa especialmente com a Geração Alpha e Z. Por fim, a consultoria recomenda utilizar momentos-chave da cultura pop, como eventos e festivais, para exibir a marca e criar conexões com a cultura digital.

Aposte no marketing de reverberação

Mas, como explica o antropólogo e sócio-diretor do Grupo Consumoteca, Michel Alcoforado, o marketing de influência está perdendo espaço para o chamado marketing de reverberação. Segundo os consumidores brasileiros, seguir um influenciador ou criador de conteúdo nas redes sociais representam três principais objetivos:

  1. Aprender sobre algo novo (56%);
  2. Mudar a visão de mundo (44%);
  3. Comprar algum produto (36%).

“Ou seja, os influenciadores servem para vender produtos, mas só depois de ensinarem e mudarem a visão de mundo dos consumidores”, explica Michel. “O processo de compra se transformou. As pessoas não compram mais coisas para ver o processo de compra, mas para ter a possibilidade de se inventarem de maneira diferente a partir do que compraram”.

E uma vez que os consumidores da Geração Z se comunicam de uma forma inteiramente nova, os produtos precisam ter antes de mais nada, segundo Michel Alcoforado, valor de conversa.

Personalização é chave

Aqui vale mais uma observação: nada disso quer dizer que devemos tratar os consumidores da Geração Alpha e Z da mesma forma nas estratégias de produto e marketing. É como aponta o fundador da Trope e colunista da Consumidor Moderno, Luiz Menezes, em seu último artigo: não devemos generalizar uma geração inteira que, somente no Brasil, é composta por mais de 51 milhões de pessoas.

“Esse erro de generalização foi cometido pelas marcas em pleno 2024, mesmo com tantas informações que estão disponíveis”, explica Menezes. “O problema é que não entenderam que, para conseguirem estabelecer conversas e criarem conexões genuínas com a Geração Z, precisam aprender que não é apenas sobre dar voz, mas sobre estarem dispostas a ouvir, e colocar essas pessoas nas mesas de tomada de decisão”.

*Foto: DALL·E.

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