Como o fim da checagem de fake news pela Meta afeta o combate à desinformação

O anúncio da Meta sobre o fim da política de checagem independente de conteúdo gerou críticas de ativistas, que temem um aumento na disseminação de discurso de ódio online, além de reações de autoridades ao redor do mundo. No Brasil, a medida foi rechaçada pelo governo federal e pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que afirmou que as redes sociais só continuarão operando no Brasil se “respeitarem a legislação brasileira”.

A decisão de Mark Zuckerberg contraria os movimentos observados desde 2016, ano da eleição presidencial entre Donald Trump e Hillary Clinton, considerado um marco para a disseminação de informações falsas através das redes sociais. Desde então, o mundo passou a focar no tema e a discutir normas para combater a desinformação e responsabilizar as plataformas digitais que permitissem sua propagação.

Em 2022, a União Europeia aprovou o Digital Services Act, com o objetivo principal de prevenir atividades ilegais e prejudiciais online, além de combater a desinformação. No Brasil, também existem legislações de caráter similar, como o Marco Civil da Internet (2014), a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, 2018) e a regulamentação do uso de Inteligência Artificial aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições municipais de 2024.

Esses avanços resultaram em um cerco cada vez maior às empresas proprietárias das redes sociais, que passaram a ser responsabilizadas por conteúdos contendo informações falsas, discursos de ódio, entre outros. No Brasil, isso foi evidenciado em 2024, quando o X foi interrompido no Brasil após o proprietário Elon Musk se recusar a cumprir as determinações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

O site IstoÉ entrevistou Débora Salles, pesquisadora e coordenadora geral do NetLab UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o advogado Diego Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital, e Iná Jost, pesquisadora do Internet Lab, para analisar os possíveis impactos da decisão de Zuckerberg no combate à desinformação.

IstoÉ: Quais são os possíveis impactos dessa decisão? 

Débora: Com essa nova política de encerrar a parceria com as empresas de checagem e essa ideia de notas das comunidades, podemos prever uma queda na qualidade e integridade das informações que circulam nas plataformas da Meta. As notas das comunidades não têm esse poder de dar voz aos usuários, pois na verdade trata-se de uma ferramenta facilmente manipulável — como é no X, por exemplo — e também nem sempre serve para esclarecer os fatos e trazer à tona as informações. Então podemos esperar uma certa piora com essa mudança. 

Outro ponto importante na fala de Zuckerberg é a questão de moderação de conteúdo, pois ele admite o quanto as plataformas decidem de maneira arbitrária e pouco transparente aquilo que fica na plataforma, o que aparece para os usuários, e demonstra que essa tentativa de promover a liberdade de expressão não fazendo nenhum esforço para a transparência e responsabilização.

Com isso, podemos entender que se tratou de um grande aceno político e um grande esvaziamento das tentativas de conter conteúdos problemáticos. Para mim, essa sinalização dele demonstra que as plataformas vão apostar muito forte na não regulação e vão se aliar politicamente ao governo Trump, se isso significar uma garantia de atuação com menos obrigações, menos custos e menos transparência.

Diego: A empresa Meta, desde 2016, estava investindo no combate à desinformação, mas agora assume uma nova posição, que é a de valorizar mais as notas de comunidade ( uma forma de a própria comunidade se autorregular), como se elas — que fazem parte dos aplicativos — fossem as responsáveis por verificar se uma determinada publicação é ou não desinformação e quais as consequências disso, em vez de ter profissionais para fazer isso. 

Os impactos são gigantes, não só pela ação em si, mas pelo pronunciamento. Me parece que o discurso vai muito além do impacto que produzirá e tende a prejudicar o combate à desinformação. 

O pronunciamento deixa muito claro o alinhamento de  Zuckerberg com o presidente eleito Donald Trump e com as pautas dele. E também vem trazendo como um paradigma o modelo a ser seguido, como o modelo do X, que coloca a empresa e toda a sua política e ativos como colaboradora das pautas de Trump. A fala do CEO da Meta é uma manifestação política, pois ele traz para o campo político e ainda pede, de uma certa maneira, que o governo americano colabore para combater o que ele chamou de excessos na América Latina por meio do que definiu como “tribunais secretos”, com referência clara ao Brasil e o combate à desinformação online feita pela Justiça Eleitoral e o STF. 

Iná: A decisão da Meta de mudar as regras da moderação de conteúdo pode causar muitos impactos na navegação dos usuários. Em primeiro lugar porque o fim da parceria com os checadores tira muito o contexto das informações que eles traziam e a própria averiguação das notícias, algo muito importante para a navegação do usuário, pois quando ele vê uma notícia ou postagem falta, há um sistema dos checadores que permite o link dos fatos checados. Então isso ajuda a dar contexto e até desmentir algumas vezes. No entanto, as mudanças das regras sem dúvidas irão impactar muito, porque existe a promessa de ‘liberou geral’ de discursos que são tóxicos. 

Segundo, acredito que o Zuckerberg trouxe em seu discurso uma falácia que é se opor a regulação em favor da liberdade de expressão, como se isso fosse dois campos dicotômicos, quando na verdade sabemos que uma boa regulação promove a liberdade de expressão, porque ela vai suprimir discursos de ódio, violentos, desinformações e irá dar mais espaço para as pessoas falarem. Então acho que podemos ver potenciais impactos na forma como o discurso irá circula nas plataformas.

IstoÉ: Qual era a eficácia das ferramentas de checagem?

Diego: A meu ver, a decisão do Zuckerberg também terá um impacto muito grande no mercado de checagem (realizada principalmente no âmbito do jornalismo e instituições internacionais), visto que a Meta tinha contratos com essas empresas. Além disso, o pronunciamento de Mark é muito mais grave do que o fim das políticas, porque ele disse que essas checagens não teriam colaborado para a confiança dos usuários, mas sim a minado por supostamente existir um viés por parte dos checadores de fatos, que estariam se colocando em uma posição muito diferente do que a adotada pela Meta.

Iná: A Meta tinha parceria no mundo inteiro com agências de checagem e elas recebiam, dentro de uma plataforma da empresa, o acesso para conteúdos que tinham sido denunciados e escolhiam quais deles seriam checados. No momento em que faziam a averiguação, colocavam o link da checagem de novo na plataforma e isso fazia com que, caso o usuário tivesse contato com um conteúdo muito denunciado por desinformação, visse um outro link com a checagem. Isso ajudava muito a dar contexto para o usuário da plataforma.

IstoÉ: Essa nova diretriz pode ter algum impacto no Brasil, que estava avançando na legislação sobre as fakes news e responsabilização das redes sociais?

Débora: Acredito que isso pode sim. Essas novas políticas de não moderação e o fim da parceira com as agências de checagem e também outras das mudanças que ele diz que irão acontecer serão escaladas e expandidas para o Brasil. A meu ver, a gente vai enfrentar menos transparência, ou seja, termos menos garantias dos nossos direitos nas plataformas com empresas que vão estar investindo muito para que elas não sejam reguladas. 

O Brasil estava avançando nisso nos dois últimos anos, e esse aceno do Zuckerberg deve deixar as coisas um pouco mais complicadas. 

Diego: Acredito que essa medida impactar sim o Brasil e também em todos os países nos quais a Meta opera. O primeiro ponto a ser afetado pode a relação entre o Brasil e a empresa, principalmente devido o julgamento de repercussão geral 987, que se refere ao Marco Civil da Internet, tratando do artigo 19 sobre a responsabilização das empresas a partir de uma ordem judicial – ou seja, no momento em que é acionada pela Justiça, a empresa passa a ser responsável pelo conteúdo publicado. 

No STF, alguns ministros votaram para a inconstitucionalidade desse dispositivo, por observarem que as empresas são responsáveis pelos conteúdos e não devem esperar por uma ordem judicial para agirem. No entanto não se sabe quando a Corte pretende terminar o julgamento nesse sentido, mas as decisões até agora têm seguido isso. 

A nova declaração de Zuckerberg também pode ser um sinal claro para o legislativo brasileiro, que tem buscado por regulamentações, mas não avançou muito até o momento. Não temos hoje um projeto viável de combate à desinformação, o que há é o projeto que envolve AI e trata de uma certa maneira a responsabilização das plataformas digitais. 

Por fim, o posicionamento do CEO da Meta pode afetar o Brasil e os demais países e ter consequências como fechamento dos escritórios nessas localidades e até o banimento. A legislação brasileira, por exemplo, diz que as empresas que não cumprem a regulamentação interna não podem operar aqui, e foi com base nisso que o X foi suspenso por um determinado período em território naciol.

Iná: Acredito que terá impacto no Brasil no momento em que as mudanças forem globalizadas, pois elas seguem restritas aos EUA.

Porém, ao mesmo tempo, não sabemos exatamente qual será o impacto na regulação brasileira. Espero que esse fato novo traga – junto à nova presidência da Câmara e do Senado – uma nova vontade política de olhar para essa questão, porque só uma regulação bem ajustada pode lidar com esse tipo de política das plataformas, que deixam a gente à mercê em um serviço tão fundamental.

 

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