História da música “Para Lennon e McCartney”, de Lô Borges

Hoje, dia 10 de janeiro, é aniversário de um grande nome da nossa música: o cantor e compositor mineiro Lô Borges. Por isso, preparamos uma matéria especial, com a história da música “Para Lennon e McCartney”, composição do artista, em parceria com o seu irmão Márcio Borges e Fernando Brant.

Quem é Lô Borges

Lô Borges é considerado um dos compositores mais importantes e influentes da MPB, tendo sido gravado por outros grandes nomes como Tom Jobim, Elis Regina, Milton Nascimento, Flávio Venturini, Beto Guedes, Ira!, 14 Bis, Skank, Nando Reis, Elba Ramalhoentre outros.

O músicofoi um dos fundadores do Clube da Esquina, um dos maiores e mais importantes movimentos da história da música popular brasileira, formado em meados dos anos 60, por Lô, Milton Nascimento,e outros artistas mineiros como seus irmãos Márcio e Telo Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Wagner Tiso e Flávio Venturini. 

A sonoridade inovadora do Clube da Esquina trouxe a fundição das inovações propostas pela Bossa Nova com elementos do jazz, do rock (principalmente dos ingleses The Beatles), da música folclórica, da música regional mineira, erudita e hispânica. Essas influências permearam todo o trabalho musical do Clube: desde a composição, aos  arranjos, às letras, processos de gravação em estúdio e shows.

O grupo tornou-se referência de qualidade na MPB, pelo alto nível de sua performance, e por disseminar suas inovações e influência nacional e internacionalmente. Foi também responsável por um dos mais icônicos discos da nossa história, o Clube da Esquina, de 1972, que já foi considerado o melhor disco brasileiro de todos os tempos. Depois dele, veio o Clube da Esquina 2, em 1978.

Antes de formarem o Clube da Esquina, Milton Nascimento – já conhecido no Brasil inteiro – gravou uma composição de Lô Borges (em parceria com seu irmão Márcio Borges e com Fernando Brant) em seu álbum Milton, de 1970: “Para Lennon e McCartney”.

tinha apenas 17 anos quando compôs essa canção e ela fez tanto sucesso na voz de Milton, que Bituca convidou para ir morar com ele no Rio de Janeiro, para gravarem – em parceria – o antológico álbum Clube da Esquina, considerado um dos melhores álbuns da história da nossa música.

Milton Nascimento acreditava tanto no talento de Lô Borges, que bateu o pé para que a sua gravadora da época – a Odeon – colocasse o nome dele e do amigo junto no título do álbum. Quando Clube da Esquina foi lançado, Lô Borges tinha apenas 20 anos. Mas a profundidade e beleza de suas canções era tanta, que a gravadora logo no mesmo ano quis gravar também o primeiro álbum solo de : aquele conhecido como o Disco do Tênis.

Entre outras das principais canções de Lô Borges estão as clássicas: 

  • Tudo Que Você Podia Ser
  • Um Girassol da Cor do Seu Cabelo e Trem de Doido (ambas parcerias com o irmão, Márcio Borges); 
  • O Trem Azul e Nuvem Cigana (parcerias com Ronaldo Bastos); 
  • Clube da Esquina nº 2 (com Milton Nascimento e Márcio Borges);
  • Paisagem da Janela (com Fernando Brant). 

Todas essas entraram para o álbum duplo Clube da Esquina.

Depois, em 1978, veio o segundo álbum do movimento: Clube da Esquina 2, no qual entraram as seguintes composições de Lô Borges:

  • Ruas da Cidade (parceria com Márcio Borges)
  • Pão e Água (parceria com Márcio Borges e Roger Mota)

Além dos já citados, outros grandes sucessos de são: 

  • Calibre;
  • Eu Sou Como Você É
  • Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor (parceria Márcio Borges); 
  • Dois Rios (com Samuel Rosa e Nando Reis);
  • Feira Moderna (com Beto Guedes e Fernando Brant).

No ano passado, homenageamos Lô Borges nesta data especial, contando a história de dois de seus maiores sucessos: O Trem Azul e Tudo Que Você Podia Ser.

E hoje, nós trouxemos a história de “Para Lennon e McCartney”, outro imenso sucesso do compositor.

Lô Borges, músico, cantor e compositor mineiro, em Belo Horizonte-MG | Foto: Divulgação

História de “Para Lennon e McCartney”

Como já contamos acima, antes de formarem o Clube da Esquina, Milton Nascimento – em seu álbum Milton, de 1970 – gravou uma música que Lô Borges compôs quando tinha apenas 17 anos, em parceria com seu irmão Márcio Borges e com Fernando Brant:: “Para Lennon e McCartney”.

E, segundo o livro “Então, foi Assim?”, de Ruy Godinho, a história dessa música é curiosa!

Em fevereiro de 2015, o compositor e escritor mineiro Márcio Borges – irmão de Lô Borges – lançou o livro “Cartas da Humanidade: civilização escrita à mão”, no qual traduziu, compilou e analisou o contexto ambiental, político e conjuntural de cerca de 140 cartas escritas, enviadas ou trocadas em diversos momentos, por vários personagens célebres ou desconhecidos, que remetem ao ano 6000 a.C. até 2008 d.C.

A esse tipo de estudo dá-se o nome de epistolografia, relativo a epístolas, que quer dizer, em tradução simples, missivas, cartas, bilhetes, recados emitidos em distintas épocas.

Existem também no cancioneiro popular as músicas com propósitos epistolares, ou seja, que simulam cartas ou são recados, como: 

  • A Carta (de Benil Santos e Raul Sampaio, gravada por Erasmo Carlos em 1966): “Escrevo-te estas mal traçadas linhas / Meu amor / Porque veio a saudade / Visitar meu coração / Espero que desculpes / Os meus erros por favor / Nas frases desta carta / Que é uma prova de afeição”.
  • Carta ao Tom 74 (composta por Toquinho e Vinicius de Moraes em 1974 e dirigida ao maestro Tom Jobim): “Rua Nascimento Silva, cento e sete / Você ensinando pra Elizete / As canções de canção do amor demais / Lembra que tempo feliz, ai, que saudade / Ipanema era só felicidade / Era como se o amor doesse em paz”.
  • Meu Caro Amigo (composta por Francis Hime e Chico Buarque em 1976, em cima de uma fita cassete, e dirigida ao dramaturgo Augusto Boal): “Meu caro amigo, me perdoe, por favor / Se eu não lhe faço uma visita / Mas como agora apareceu um portador / Mando notícias nessa fita”.

Com Lô Borges e seus parceiros Márcio Borges e Fernando Brant não foi diferente. Os três compuseram uma canção em formato de recado para os integrantes da banda Os Beatles: John Lennon e Paul McCartney, que tanto influenciou o movimento mineiro do  Clube da Esquina

Uma carta que talvez nunca tenha sido lida (ou melhor, ouvida!) pelos ingleses, mas que tornou-se um verdadeiro hino de Minas Gerais: “Para Lennon e McCartney”.

Lô Borges, autor da melodia, lembra-se com clareza do momento em que a música foi criada. “Eu fiz uma canção que entrou no FEC – Festival Estudantil da Canção, um Festival super importante que acontecia em Belo Horizonte. (…) Quando acabou o Festival, foi uma festa. Todos os artistas foram lá pra casa. Eu lembro que foi a Joyce, a Beth Carvalho… Estava todo mundo nesse Festival. Minha mãe e meu pai fizeram um jantar regado a cerveja. Eles gostavam de fazer festas para os músicos.”

Como conta Ruy Godinho, Salomão e Maricota – os pais de e Márcio e de vários outros “Borges” – eram agregadores por excelência. Super-receptivos, não perdiam a oportunidade de se integrar ao grupo de amigos dos filhos, todos muito musicais.

E continua: “Eu estava tocando piano, como sempre. Eu era um cara que não largava o instrumento. Eu tocava desde a hora em que acordava até a hora em que ia dormir. Ou estava no piano ou com o violão. (…) A festa acontecendo e ninguém prestava a atenção no que eu estava tocando. Uma hora, o Marcinho e o Fernando Brant entraram na saleta em que eu estava tocando e eu falei: ‘Pessoal, eu estou fazendo uma música aqui. Querem escutar?

Eu acho que a música está pronta. Quem sabe vocês não fazem uma letra pra ela? No momento, a namorada do Fernando Brant estava fazendo uma macarronada. Enquanto ela fazia a macarronada, os dois se trancaram no quarto e fizeram a letra da música. A letra foi feita super rápido também. Eles estavam mais interessados em comer a macarronada!”.

Fernando Brant confirma e acrescenta: “(… Nós sentamos, ouvimos a música e combinei com o Márcio: ‘Você faz uma parte e eu faço a outra. E depois a gente vê como ficou’. Aí fizemos, combinamos que estava tudo certo. A macarronada saiu junto com a música. E aí já tocamos muito naquele dia. Essa foi uma música feita no meio de uma macarronada”.

Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges e Milton Nascimento em Diamantina, MG, em 1971 | Foto: Arquivo O Cruzeiro

Márcio Borges também deu mais detalhes da música: “Aí, eu e Fernando entramos pro quarto e como era bem pertinho, falamos: ‘Vai tocando aí, Lô’. E nos trancamos para amortecer um pouco a barulhada geral da casa, nos trancafiamos dentro do quarto da mamãe e do papai, sentamos na cama do casal e pra equacionar rapidamente eu disse. ‘Fernando, eu faço a primeira e você faz a segunda. Vai ter só duas partes essa música. Não tem negócio de volta, não’.”

Márcio então perguntou para Lô Borges qual o tema que ele tinha pensado para a música. E o irmão respondeu: “Na verdade, quando eu estava aqui compondo, estava pensando em John Lennon. Eu estou aqui fazendo essa música pra ele e eu acho que ele nunca na vida vai saber disso”.

Então, Márcio prontamente aceitou: ­“Pois, é. Então você acabou de nos dar o tema da música. Nós vamos fazer essa música para Lennon e McCartney. (…) Então nós vamos falar disso, que a gente os adora, mas eles não sabem da gente. Esse é o tema.”.

Márcio continua contando sobre o dia da composição: “Eu não queria perder a festa, nem Fernando [queria]. (…) Em menos de meia hora, portanto, estávamos de volta à saleta do piano, bem a tempo de pegar a saída da macarronada de Leise. Lô cantou pela primeira vez os rabiscos que colocamos diante dele, na estante do piano. Na minha parte estava escrito: ‘Porque vocês não sabem do lixo ocidental/não precisam mais temer/não precisam da timidez/todo dia é dia de viver/ Porque você não verá meu lado ocidental/não precisa medo não/não precisa da solidão/todo dia é dia de viver…’ E na parte de Fernando estava escrito: ‘Eu sou da América do Sul / eu sei vocês não vão saber / mas agora sou cowboy / sou do ouro, eu sou vocês / sou do mundo, sou Minas Gerais’.”.

Quando os compositores terminaram a letra, a macarronada estava indo pra mesa. Primeiro comeram bastante e depois mostraram a música para a galera. Segundo Márcio, na segunda vez que eles cantaram, a casa inteira já sabia a letra.

“Ficamos o resto da noite cantando a música que virou o nosso hino, que nada mais é do que uma carta, um recado que a gente mandou para os nossos ídolos Lennon e McCartney. Esse ‘vocês’ aí são eles dois. (…) Nós sabemos, nós os amamos, mas eles estão lá e não sabem da gente.”.

Milton Nascimento gravou “Para Lennon e McCartney” em 1970, quando Lô Borges ainda tinha apenas 18 anos!

E aí, gostou de saber mais uma história por trás da composição de um grande clássico da música popular brasileira? Essa foi a história de “Para Lennon e McCartney”.

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