Rádio e TV ainda são fundamentais para artistas se tornarem conhecidos fora de suas bolhas

A minha mãe é a régua que uso quando escuto por aí que “tal artista está estourado”. Se Dona Lúcia conhece, sim, ele tá bombando em todos os cantos. Se não conhece, é porque talvez o artista seja famoso apenas em algumas bolhas e ainda levará um tempinho para que ele consiga ultrapassá-la.

E por que uso minha mãe como parâmetro? Porque ela faz parte daquele tipo de consumidor que mede o sucesso de alguém pelas vezes em que ele aparece no rádio ou na TV.

Você pode até dizer: Chinaina, sua mãe faz parte de outra geração, os tempos mudaram e o grande lance é a internet. E eu te devolvo: você não assiste TV? Não ouve rádio? Consome apenas o que tá na web? Duvido!

Somos impactados todos os dias pela televisão, rádio e internet. O rádio e a tv permeiam o nosso cotidiano e mesmo que você não pare para assistir, ou não tenha o costume de ligar o radinho, você é atravessado por eles. Seja no carro de aplicativo, na sala de espera de algum lugar, no restaurante da esquina ou na casa da sua mãe.

E digo mais, todo artista quer se ver na TV e ouvir sua música tocando no rádio. Por mais que o cantor ou banda esteja com números avassaladores nas plataformas digitais, é importante ampliar o público e chegar em todos os lugares do país.

Estar no rádio e na TV é o pulo do gato para os artistas. É a chance de alcançar mais pessoas e ainda massagear o ego artístico. Falo com propriedade: é muito legal ouvir minha música tocando no rádio ou ser convidado para cantar em um programa na televisão.

Mas está cada dia mais difícil conseguir espaço nesses veículos por uma série de questões que vou levantar aqui.

Deixo claro que essa é a minha visão pessoal da coisa toda. Sou músico e há muitos anos divido meu tempo entre os palcos e os bastidores de emissoras de rádio e televisão como apresentador. Sigo testemunhando as transformações na forma como se consome cultura.

Você também pode apontar outros caminhos para seguirmos, a conversa tá aberta e estamos todos tentando achar um lugar ao sol, não é mesmo?

Me criei como artista na década de 90 à frente da banda Sheik Tosado. O manguebeat gerava na alta com uma efervescência cultural incrível em Pernambuco.

Do Rio de Janeiro tinha O Rappa e o Planet Hemp, de Brasília os Raimundos, Minas Gerais com Skank, Pato Fu, Virna Lisi, São Paulo com o Charlie Brown Jr., todo mundo começando a aparecer, e só para citar alguns, pois a lista de bons artistas dessa geração é imensa.

Os festivais apostavam em novidades e foi neles que vi essas bandas e outras tantas. Os canais de rádio e TV, por mais difíceis que fossem os acessos, tinham uma programação que abria espaço para a música que estava acontecendo no momento. Havia coragem e uma certa liberdade editorial para apostar naquela turma.

Quando eu vinha de Olinda fazer turnê em terras sudestinas, gastava meu tempo e minha cara de pau batendo de porta em porta com meus disquinhos debaixo do braço. Por muitas vezes, conseguia falar com programadores e diretores para, quem sabe, minha música tocar naquela emissora.

Eram tempos difíceis e não tinha essa de mandar material por e-mail ou marcar as emissoras num post do Instagram. Eu ia nas festinhas encontrar o pessoal do rádio e TV e fazia plantão nas redações dos programas até ser atendido, mas valia a pena o chá de cadeira. No final, sempre pintava alguma coisa.

Foi em 2011 que percebi o quanto esse espaço era importante para apresentar as novidades da nossa música. Eu tive um programa diário na MTV durante dois anos, e todos os dias tinha alguma banda fazendo um som e trocando ideia.

Por lá, passaram centenas de artistas que, naquela época, estavam fazendo o corre para mostrar o seu som ao máximo de gente possível. Entre eles, Emicida, Criolo, Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci e outros, que hoje são grandes nomes da música brasileira.

Além de participarem do Na Brasa, esses artistas tinham seus clipes veiculados na programação do canal e participavam de diversos programas da casa. Assim, a música deles se massificava, enquanto abriam novas portas em outras emissoras, espaços e ouvidos.

Não posso esquecer do Fresno, NXzero e CPM 22, que um pouco antes seguiram na mesma cartilha de novidades.

Imagina se esses nomes incríveis aí fossem escolhidos pelo número de seguidores na rede ou plays nas plataformas? Quantos talentos deixaríamos de lado se o critério fosse esse?

Há quem diga que as novas tecnologias foram responsáveis pelo fim da MTV que conhecemos, e que o advento do YouTube, por exemplo, foi um fator para isso, já que o telespectador não precisava mais esperar o clipe do seu artista preferido na programação da emissora.

Teve “gente de TV” que até decretou o fim do videoclipe. Estavam todos enganados, e a prova disso é a quantidade de material audiovisual musical que temos hoje. Lançar uma música e não ter algum vídeo é quase fazer a lição de casa pela metade.

Sem falar que, além do clipe, o artista ainda tinha sua história contada por quem entendia e gostava de falar sobre música, ou seja, uma crítica especializada que manjava do assunto. E aqui pra nós, quem não quer saber um pouco mais sobre o seu artista favorito?

Bem diferente de hoje, em que o número de seguidores fala mais alto do que o conhecimento e preparo dos apresentadores.

Este texto não tem a menor intenção de desvendar os mistérios sobre o fim da MTV, mas me apoio nessa que foi a minha primeira experiência na televisão para tentar achar caminhos pro momento que temos hoje.

E o que temos hoje? Ou melhor, o que não temos?

Recentemente, conversando com um diretor de TV, ouvi a seguinte frase: Tá difícil achar novidades na música. Retruquei de imediato: Pra quem gosta de música, hoje a coisa mais fácil do mundo é achar um novo artista. Tá tudo a um clique de distância e temos excelentes nomes nascendo todos os dias.

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Foto: Divulgação.

A resposta dele: sim, mas aí tem que ver os números, né? Se o artista não tiver bons números nas plataformas, fica difícil colocar na programação, porque você sabe, né, as marcas, os patrocinadores querem resultado.

Percebem como a internet contraditoriamente acaba limitando ?

Outra vez foi um diretor de rádio que me pediu um programa piloto para novos artistas. Quando tivemos reunião, antes mesmo de ouvir o que eu tinha preparado, as primeiras perguntas foram: Esses artistas têm bons números nas plataformas? Que marcas você vai trazer pro programa? Porque você sabe que, se não tiver uma marca botando dinheiro, não tem programa.

A minha resposta foi: Você quer um programa sobre os artistas ou sobre as marcas?

Ele sequer ouviu o programa piloto.

Esses dois exemplos pontuam bem e convergem para o lugar em que se encontram os artistas e os canais de rádio e televisão nessa era das mudanças tecnológicas.

Se pautar pelos números nas plataformas, que por vezes não são verdadeiros, é matar a árvore da cultura antes mesmo de ela dar frutos.

É matar o talento dos artistas.

É apenas replicar algo que não é garantia de sucesso nas vendas comerciais e muito menos na aceitação do público.

Se apenas os números importam, todo professor de matemática é um popstar em potencial.

Sim, é preciso dinheiro para fazer as coisas. Capitalismo, baby, é isso aí. Se não tem patrocinador injetando uma grana, não tem retorno. Mas tem um “meio do caminho” que dá para acomodar o novo, o bombado na rede, os medalhões e ainda assim ter o retorno financeiro desejado. A questão é: existe vontade e coragem para isso?

Imagine uma rádio com grande audiência que durante a programação toque o novo sucesso de Iza, aquela pedrada de Chico Buarque, uma canção de Liniker, e no meio disso o som de um artista novíssimo? Você tá contemplando diversos públicos e agregando conhecimento a eles.

Será mesmo que uma sequência musical dessas enfraquece a negociação com um possível patrocinador? E caso enfraqueça, não seria o momento de convencer a marca a apostar, assim como a rádio está fazendo?

Vale a mesma receita para os programas musicais na TV. Traz uma Ivete Sangalo, mas traz também uma Sofia Freire, apresenta essa meninada, cria conexão entre artistas, dá ao telespectador um sopro de novidade, aponta novos caminhos e mostra ao patrocinador que é possível ter retorno com essa colcha de retalhos que deixa todo mundo mais inteligente.

Há umas semanas, assisti ao ótimo Aumenta que é Rock’n’Roll, filme que conta a história da Fluminense FM, rádio esquecida no dial carioca que se tornou referência nos anos 80 apostando numa programação roqueira e dando espaço para toda a cena BRock que estava surgindo.

Vendo o filme, me veio a lembrança do Programa Livre, que Serginho Groisman apresentava no SBT nos anos 90. Foi lá que vi pela primeira vez o Defalla, Supla e diversos artistas que eu não fazia ideia que existiam.

Foi lá também que vi Chico Science cantando marchinhas de carnaval com uma orquestra de primeira enquanto, entre as músicas, Serginho trazia convidados e papos sensacionais. O Programa Livre era uma referência

para a galera da minha idade, e também para a mais nova e a mais velha. Deu tão certo que acabou indo para a TV Globo rebatizado de Altas horas, mas antes disso houve a aposta. Alguém disposto a comprar aquela ideia. Entende o que estou dizendo?

Não é o caso de inventar a roda, afinal, como já diria Chacrinha, “na televisão nada se cria, tudo se copia” (vale o mesmo para as rádios). Muito menos se distanciar do mundo virtual, o que é impossível e um grande tiro no pé. Mas usá-lo como aliado, sabendo temperar talento, números e pressão dos patrocinadores.

Os programas musicais sempre deram retorno financeiro e são alicerce de rádios e TVs desde a sua invenção. Porém, essa equação de ter apenas o que tá bombando na web ou grandes medalhões se repetindo nos mesmos programas parece que não tá trazendo uma renovação na audiência, não é mesmo?

Fora isso, quando se tem novos artistas e até um dinheirinho de patrocinadores, as marcas querem que eles regravem antigos sucessos em vez de apostar na música autoral. Outro vacilo, pois perdem a oportunidade de uma renovação de catálogo musical.

Boni, o cara que revolucionou a TV brasileira, diz em seu livro que o futuro da TV aberta é o ao vivo. Eu concordo com essa frase porque no ao vivo temos o ineditismo, o erro e o acerto, tudo num só lugar.

Mas até os programas de auditório estão fugindo desse formato – talvez por medo do erro virar meme na internet, sei lá. Mas é no ao vivo que temos o rádio e a TV pautando os assuntos da web.

É também um caminho a se pensar.

Aí você me diz: inda existem programas que revelam novos artistas.

E eu respondo: graças às deusas. Imagine se não existissem?

Só para citar alguns, temos ótimos programas do gênero. Fabiane Pereira com seu trabalho colossal no Papo de Música, Roberta Martinelli com o Cultura Livre na TV Cultura, Guilherme Guedes com o Experimente no Canal Bis, eu mesmo com o Caça Joia no Canal Futura e Globoplay, além de diversos programas independentes que temos espalhados como pequenas joias nas programações decentralizadas, e que ainda acreditam no fomento de uma nova cena musical. E é preciso mais!

O que fortalece a carreira de um artista dentro do rádio e da TV é estar na programação como um todo.

Gostaria muito, por exemplo, de ouvir um artista no programa Vozes da Vez que Fabiane Pereira apresenta na NOVABRASIL e depois, novamente, na programação normal da rádio, ou ver os artistas do Experimente participando de outros programas no Multishow e demais canais.

É a emissora usar seu poder midiático para chancelar novos artistas e a sua própria curadoria dando a dica para o público: Presta atenção que isso é muito bom, estamos apostando nessa joia.

Vai por mim, todos ganham.

Que os programadores usem outras formas de pesquisa além do, “tá bombando na internet”, e comecem a olhar suas caixas de e-mails lotadas de assessores de imprensa mandando material de novos artistas todos os dias. E, por fim, que as vontades dos patrocinadores não sejam determinantes para o futuro da música porque, se for assim, é melhor as emissoras apostarem em publicitários cantores tocando algum sucesso requentado do passado.

Sobretudo, é preciso coragem e ousadia para promover o que se acredita.

Quem tem?

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