A OpenAI voltou a bater na tecla do uso aceitável como essencial para o desenvolvimento contínuo de soluções de Inteligência Artificial (IA). Startups e grandes companhias dependem da coleta de todo o tipo de dados, e boa parte deles, sejam textos, fotos, áudio, vídeo, códigos-fonte, são protegidos por direitos autorais.
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O problema: os controladores dos copyrights não abrem mão de serem pagos pelo uso de suas propriedades, ou de impedir completamente a coleta, sob ameaça de processos, ambos casos escorados na DMCA (Digital Millenium Copyright Act), a lei de direitos autorais de alcance global.

OpenAI, Google, e outras empresas de IA defendem uso aceitável para não terem que pagar direitos autorais a ninguém (Crédito: Reprodução/acervo internet)
No mais recente desenvolvimento, a OpenAI e o Google, que entrou para reforçar o coro, buscam pressionar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a reconhecer o treinamento de IAs com material protegido como um cenário aplicável para o uso aceitável.
IA e o uso aceitável
Vamos recapitular: o uso aceitável é uma doutrina característica da lei de direitos autorais dos Estados Unidos, que permite o uso de conteúdos protegidos por direitos autorais de forma livre (sem pagamento ou restrições), sem que os donos dos copyrights tenham que autorizar qualquer coisa. O pulo do gato, ele é aplicável em casos MUITO específicos, geralmente voltados em soluções que proverão benefícios à sociedade, com produtos e bens acessíveis, educação, etc.
O caso mais recente de aplicação do uso aceitável se deu no processo movido pela Oracle contra o Google. Em 2011, a primeira adquiriu a Sun Microsystems, e com ela todas as APIs do Java, algumas usadas no desenvolvimento do Android, em um acordo verbal entre as partes, sem nada formalizado.
A Oracle entendeu que, como dona da Sun, tinha o direito de propriedade das APIs, e podia cobrar pelo uso delas como bem entendesse, incluindo de forma retroativa, assim, o Google lhe devia, sob suas contas, US$ 8,8 bilhões (~R$ 50,25 bilhões, cotação de 17/03/2025). O Google se defendeu com o uso aceitável, dizendo que, por mais que as patentes fossem privadas, e o Android um produto comercial, os benefícios que o sistema móvel trouxe à população, ao revolucionar a telefonia móvel (depois do iPhone, claro), superavam a mesquinharia da Apple.
O argumento colou junto à Suprema Corte, e o Google se livrou da Oracle; Sam Altman, CEO da OpenAI, usa o mesmo argumento para defender a coleta desenfreada de dados, dizendo que como os direitos autorais “cobrem virtualmente todos os tipos de expressão humana”, limitar o acesso de soluções generativas a conteúdos em domínio público, ou disponibilizados por regras de open source, ou copyleft, limitariam enormemente o que tais soluções podem fazer, tornando-as “inadequadas para as necessidades de hoje”. Segundo o executivo, criar uma IA sem violar copyrights é “impossível”.
Altman não está sozinho na defesa de que as empresas de IA devem ser isentas de pagar direitos autorais pela coleta e uso de conteúdos protegidos. Mustafa Suleyman, CEO da Microsoft AI, disse que todas as companhias e indivíduos devem ser livres para treinar seus modelos com quaisquer obras disponíveis na internet, usando de forma não-irônica o termo “se está na net, é de graça”.
Mais recentemente, a OpenAI e o Meta se tornaram réus de um processo movido por editoras e autores por usarem cópias piratas de livros para treinarem seus modelos, com a empresa de Mark Zuckerberg admitindo à corte ter baixado mais de 80 TB de dados… via torrent.

Para Sam Altman, CEO da OpenAI, IAs devem ser permitidas coletarem tudo, sem pagarem nada a ninguém (Crédito: Eric Lee/Bloomberg)
Só que a volta de Donald Trump à Casa Branca mudou o cenário, de avesso às big techs durante a era Biden, para um em que o atual presidente defende o America First em todas as frentes, incluindo IA. Em fevereiro, ele apresentou o Plano de Ação para IA (AI Action Plan), que buscará definir políticas para o fortalecimento das companhias locais, o que inclui “evitar a implementação de exigências pesadas que prejudique a inovação do setor”, basicamente desregulação; da proposta de colocar regras no setor, aventada pela administração anterior, ninguém nunca mais ouviu falar.
Uma das regras que a OpenAI quer que seja incluída no Palno de Ação para IA, é justamente a que entende como uso aceitável treinar algoritmos com material protegido por direitos autorais, e a empresa jogou inclusive com a carta da Segurança Nacional. Em sua proposta apresentada ao projeto (cuidado, PDF), a companhia diz que ao proteger os interesses dos donos dos copyrights, autorizando-os a processar e cobrar startups, os EUA perderão a liderança do setor para a China, um cenário que Trump não quer que se materialize de jeito nenhum.
Da mesma forma, o Google também publicou sua lista de recomendações para o plano de Trump, e defendeu igualmente que o treinamento de IAs com material protegido deve ser entendido como uso aceitável, defendendo que a evolução do setor (com os EUA como ponta-de-lança do mercado, como sempre) trará benefícios sociais e científicos à sociedade.
A expectativa é que Donald Trump apresente o formato final da iniciativa em abril, e caso a regra do uso aceitável seja incluída, e endossada pela Suprema Corte dos EUA, nenhuma companhia ou indivíduo poderá se apoiar na DMCA para processar startups ou empresas pela coleta de obras de qualquer tipo para treinamento de IAs; apesar de vigente em vários países, Brasil incluso, esta é uma lei norte-americana, e todos os atuais processos em curso, em qualquer lugar do mundo, perderiam a cobertura legal.
De qualquer forma, nos resta aguardar pelos próximos desdobramentos, mas é fato que as grandes companhias que controlam IPs valiosas, bem como criadores individuais, estão bem irritados com a possibilidade de não mais poderem proteger suas obras contra a coleta de dados para o treinamento de IAs, muito menos serem pagos por isso.
Fonte: Ars Technica, Engadget
IA: OpenAI, Google defendem quebra de copyrights e uso aceitável