Itamar Vieira Junior: conheça mais sobre a obra do escritor brasileiro

Itamar Vieira Junior é um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, uma voz que ecoa as vozes de um Brasil profundo.

Nascido em Salvador, Bahia, em 1979, o escritor e geógrafo tem utilizado sua experiência e conhecimento para dar vida a narrativas que exploram as tensões sociais, culturais e econômicas do Brasil, especialmente aquelas vividas nas regiões rurais. Sua obra é marcada por uma escrita densa e poética, que aborda questões de terra, identidade e resistência. 

Graduado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia – sendo o primeiro aluno receptor da Bolsa Milton Santos, dedicada para jovens negros de baixa renda –  sua ligação com o estado em que nasceu reflete de forma intensa em seu interesse acadêmico. 

Na mesma instituição, concluiu também sua tese de doutorado, dessa vez na área de Estudos Étnicos e Africanos, em uma pesquisa que se volta sobre a formação de comunidades quilombolas no interior do Nordeste brasileiro. 

O escritor Itamar Vieira Junior | Imagem: Reprodução

Para além da literatura, Itamar atuou como funcionário do INCRA – órgão federal voltado para a implantação da reforma agrária – e já recebeu ameaças de mortes e outras violências por sua atuação para uma divisão mais equânime da terra e sua proximidade com povos quilombolas.

Em 2008, o escritor baiano recebeu um prêmio da Câmara Brasileira de Jovens Escritores, por um romance com influências de Clarice Lispector, intitulado “Paraíso”. Fez a sua estreia oficial na literatura em 2012, com o livro de contos “Dias”, vencedor do XI Prêmio Projeto de Arte e Cultura da Bahia. 

Vamos conhecer os livros que consolidaram Itamar Vieira Junior como um dos mais importantes autores da história do Brasil.

Conheça mais sobre a obra do escritor baiano Itamar Vieira Junior

1-  A Oração do Carrasco (2017)

Seu segundo livro de contos, “A Oração do Carrasco”, de 2017, foi finalista do Prêmio Jabuti do ano seguinte na categoria “Conto”. Além disso, conseguiu o segundo lugar no Prêmio Bunkyo de Literatura 2018 e foi vencedor do Prêmio Humberto de Campos da União Brasileira de Escritores (Seção Rio de Janeiro). 

Pense nos seres invisíveis da sociedade, naqueles que estão à margem, que foram massacrados e usados, que tiveram os seus anseios e esperanças rasgados, suas heranças culturais abafadas, diminuídos os seus valores éticos, étnicos e estéticos. 

São eles e elas os/as personagens que circulam pelo mundo ficcional de “A Oração do Carrasco”, são eles e elas que ganham voz, identidade, corpo e existência nessas páginas extraídas do chão mais cruel da realidade brasileira. 

Dos indígenas aos escravizados, dos excluídos urbanos aos imigrantes, passando pela jornada de um herdeiro de uma linhagem de carrascos aos delírios místicos do artista Arthur Bispo do Rosário.

Com autenticidade, vigor e lirismo, Itamar Vieira Junior nos apresenta as sete inquietas e poderosas narrativas desta coletânea, textos para serem lidos com a lentidão de quem se deita numa rede e o fôlego de quem mergulha num mar agitado, numa constância entre o repouso e a agitação. 

Itamar expõe as feridas de um Brasil que não gosta do que vê quando olha para si mesmo. Por isso, a urgência de sua leitura, por nos revelar essa consciência com coragem e beleza.

2 – Torto Arado (2019)

Já seu impactante romance “Torto Arado” (2019) é, sem dúvida, a obra que projetou Itamar Vieira Junior para o grande público. O livro foi originalmente publicado em Portugal, em 2018, pela editora Leya, após vencer o importante prêmio de mesmo nome, concedido por unanimidade pelo modo como representa de forma sólida e realista o universo rural brasileiro. 

Como bem notaram os jurados do concurso em sua nota de justificativa: 

“O Prémio LeYa 2018 é atribuído ao romance ‘Torto Arado’, de Itamar Vieira Junior, pela solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade patriarcal. 

Sendo um romance que parte de uma realidade concreta, em que situações de opressão quer social quer do homem em relação à mulher, a narrativa encontra um plano alegórico, sem entrar num estilo barroco, que ganha contornos universais. Destaca-se a qualidade literária de uma escrita em que se reconhece plenamente o escritor.”

No Brasil, foi publicado pela editora Todavia e venceu também importantes premiações, como o Prêmio Jabuti 2020 e o Prêmio Oceanos 2020. Também venceu o Prêmio Montluc Rèsistance et Liberté, na França.

Nas profundezas do sertão baiano, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas — a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte, de combate e redenção.

Segundo o Portal da Literatura Afro-brasileira da UFMG, literafro:

“Situando a história em uma região remota e imaginária do nordeste brasileiro, Itamar Vieira Junior abrange problemáticas que envolvem proporções maiores ligadas tanto ao modo de funcionamento histórico e social do país quanto à complexa rede de sentimentos e emoções intrínsecas ao ser humano. 

Um romance que fornece elementos para debate sobre as desigualdades e violências entre cidade e campo, as desigualdades de gênero, as formas de resistência das religiões de matriz africana e indígena, as permanências e continuidades da escravidão simbolizadas na relação de mando inviolável entre patrão/dono e trabalhador/agregado, assim como do tríplice espólio sobre o trabalhador: sua mão de obra, seu produto final e seu tempo.

Somada a esses fatores há também na narrativa uma implícita, mas potente reflexão sobre os sentidos da posse de terra e as questões da reforma agrária no território nacional. Ao mesmo tempo em que há um Brasil profundo sendo problematizado, somos convidados a sentir de maneira pungente o caótico estado emocional de personagens que, mesmo vivendo sobre constante tensão, manifestam complexos e contraditórios estados emocionais”.”

O romance “Torto Arado” foi muito bem recebido pelo público e pela crítica especializada, tendo sido traduzido para diversas línguas, em países como França, Alemanha, Espanha, Itália, Holanda e Reino Unido.

Foi o livro brasileiro mais vendido em 2021, com mais de 200 mil exemplares, e – em 2024 – atingiu a cifra de um milhão de exemplares vendidos.

Em 2024, “Torto Arado” virou peça musical, com participação da atriz e cantora Larissa Luz e – desde 2023 – foi noticiado que a obra será adaptada pela HBO Max e pretende ser contada em, pelo menos, três temporadas.

O romance tornou-se obra literária obrigatória para os vestibulares UEL 2025 e UFSC 2025.

3 – Doramar ou a Odisseia (2021)

Mais recente livro de contos de Itamar Vieira Junior, “Doramar ou a Odisseia” foi lançado em 2021.

Em um diálogo permanente com nossas questões sociais e a tradição literária brasileira, o autor amarra um conjunto de histórias a um só tempo, atuais e calcadas na multiplicidade de culturas que formam o país. 

Lidas na sequência, atestam a vitalidade de um escritor que encontra uma boa parcela de inspiração em personagens que desafiam os limites que lhes foram impostos e abraçam a existência em toda a sua plenitude.

Assim, contos como “A floresta do Adeus”, “Voltar” e a história que dá título ao livro falam de personagens femininas que enfrentam as condições mais adversas. Outros, trazem luz sobre nosso passado escravocrata, evocam a cultura afro-brasileira (“Farol das almas”, “Alma”), a ancestralidade indígena (“O espírito aboni das coisas”), a marginalidade e a loucura (“Manto da apresentação”, sobre o artista Arthur Bispo do Rosário). E há espaço inclusive na imaginação de Itamar para uma história como “Na profundeza do lago”, em que algo de gótico se insinua pelas franjas da trama.

4 – Salvar o Fogo (2023)

Vencedor do Prêmio Jabuti 2024, o romance “Salvar o Fogo” foi publicado em 2023 e seguiu atestando Itamar Vieira Junior como um dos maiores nomes da literatura brasileira.

Depois de ter ficado órfão de mãe, Moisés vive com o pai, Mundinho, e a sua irmã Luzia na Tapera do Paraguaçu: um povoado rural na Bahia, comunidade de agricultores, pescadores e ceramistas de origens afro-indígena, cujo domínio das terras pertence à Igreja, que ali detém um mosteiro desde o século XVII. Os outros irmãos foram embora. 

Os irmãos partiram todos em busca de uma vida melhor e Moisés encontra afeto com Luzia, mas ela foi obrigada a ficar para cuidar do pai e do menino; estigmatizada pelos seus supostos poderes sobrenaturais, levando no entanto uma vida de profundo sentido religioso, trabalhando como lavadeira do mosteiro e educando Moisés rigidamente com o objetivo de o inscrever na escola dos padres e conseguir para ele a educação que nenhum deles pôde ter. Ela ainda alimenta a esperança de reunir a família novamente. 

Porém, a experiência dessa formação marcará o rapaz de tal modo que ele acabará por deixar intempestivamente a casa. Será só vários anos mais tarde, depois de um grave acontecimento que é o pretexto para a família toda se reunir, que Moisés reencontrará Luzia – uma Luzia arrependida dos silêncios e magoada pelas mentiras, mas simultaneamente combativa, lutando como nunca contra as injustiças, pela posse da terra dos seus antepassados. 

Épico e lírico, emocionando o leitor a cada nova página, “Salvar o Fogo” é um romance que mostra que muitas vezes os fantasmas de uma família não se distinguem dos fantasmas de um país. A ferida aberta pelo multipremiado Itamar Vieira Junior nesta obra-prima só o leitor poderá fechar.

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